Coronavírus e relações de consumo: desfazendo dúvidas

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Flexibilidade e bom senso nas relações de consumo nesta fase de pandemia é a recomendação principal da especialista em Direito do Consumidor e supervisora do Procon da Assembleia Legislativa (Ales), Giovanna Chiabai.

“O consumidor é sempre a parte mais frágil, mas neste momento de crise devido à pandemia pelo novo coronavírus é preciso muita consciência e flexibilidade por parte do fornecedor e do consumidor de forma a evitar prejuízo para ambas as partes”, afirma a advogada, que concedeu entrevista tira-dúvidas ao Portal Web Ales.

Confira:

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) caracteriza como prática abusiva elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. Se o consumidor se deparar com valor de produtos ou serviços relacionados ao coronavírus que considere abusivo, como deverá proceder para registrar reclamação?

Sim. De acordo com o artigo 39, inciso X do CDC, “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”. Caso o consumidor se depare com uma situação assim, deverá  procurar o telefone ou o site do Procon ou qualquer outra plataforma de proteção e defesa do consumidor e fazer  uma reclamação/denúncia. Se for constatada a infração, o fornecedor estará sujeito a penalidades como multa e até cassação de licença do estabelecimento comercial ou de atividade, dependendo da situação.

Empresas não estão realizando atendimento presencial, pois se encontram fechadas por determinação do governo. Esses fornecedores são obrigados a oferecer outros canais de comunicação para atender ao consumidor?

O SAC não é obrigatório para todas as empresas, mas apenas para as empresas de comércio eletrônico. A maioria dos fornecedores já disponibiliza atendimento online ou via telefone para os consumidores através dos SACs (serviço de atendimento ao consumidor), que as obriga a manter um atendimento eficiente para reclamações, suspensão ou cancelamento do contrato e, que em alguns casos estão disponíveis 24 horas por dia e 7 dias por semana, a exemplo dos  serviços de telecom, planos de saúde, transportes terrestres, TV por assinatura, aviação civil, energia elétrica bancos e administradoras de cartões de crédito.

Mas agora com o fechamento obrigatória das lojas físicas, muitos estabelecimentos estão oferecendo serviço de vendas e atendimento em geral, online, buscando manter o cliente.

Quando o consumidor negocia a suspensão ou cancelamento de um contrato junto ao fornecedor, quais cuidados deve ter para resguardar o que foi acordado?

O consumidor deve reler o contrato e conhecer as condições e penalidades imposta aos casos de suspensão e ou cancelamento. Deve analisar ainda se vale a pena a suspensão ou o cancelamento antecipado ao invés de fazer algum outro tipo de negociação que beneficie ambas as partes; deve observar se as condições previstas no contrato para cancelamento não impõem algum tipo de excesso ou abuso; deve ficar atento ao prazo para encerramento definitivo; e deve sempre pedir e guardar o recibo de cancelamento e, caso seja feito por telefone, pedir o número do protocolo.

O Procon orienta que o consumidor, por precaução, guarde o comprovante de cancelamento até 60 dias após o cancelamento efetivo, em casos de receber alguma cobrança indevida mesmo após o cancelamento.

Giovanna Chiabai ressalta que consumidor deve procurar o Procon para resolver problemas. foto: Matheus Nobre

Como ficam os prazos relativos à assistência técnica, garantia e serviços? Quais providências o consumidor deve tomar nestes casos, uma vez que está impedindo de cumpri-los? Temos como exemplo o consumidor tem o mês de março para executar a revisão de seu carro, mas não poderá fazê-lo.

De acordo com o CDC, em artigo 26, o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em 30 dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis e 90 dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis.

Esse prazo relaciona-se ao período de que dispõe o consumidor para exigir em juízo alguma das alternativas que lhe são conferidas pelos artigos 18, parágrafo 1º, e 20, caput, do mesmo diploma legal (a saber, a substituição do produto, a restituição da quantia paga, o abatimento proporcional do preço e a reexecução do serviço.

Nesse caso de fechamento do comércio devido a Covid-19 existem duas situações a serem analisadas. Se a reclamação já foi feita, o prazo de 30 dias dado ao fornecedor para cumprimento da obrigação (seja para reexecução do serviço ou reparo do produto) ficará suspenso até o final da quarentena. Se a reclamação ainda não tiver sido feita, mas estiver dentro do prazo para fazer a reclamação (30 ou 90 dias), o prazo ficará suspenso e voltará contar após o final da quarentena. Da mesma forma será para a garantia.

Assim, tanto para o consumidor como para o fornecedor, os prazos serão “suspensos” ou seja, voltarão a contar à medida em que o comércio retorne às suas atividades normais, após a quarentena.

A pandemia traz impactos para economia, com reflexos para os consumidores e fornecedores. É possível buscar um equilíbrio de direitos entre as partes?

A crise que está sendo causada pela pandemia da Covid-19 terá impactos profundos na economia e é de se esperar um cenário de enormes dificuldades econômicas, visto que muitos consumidores não terão condições de arcar com contas de consumo continuado (internet, telefone, luz, água), dívidas pessoais e aquelas com instituições financeiras. Deve-se procurar evitar prejuízo para ambas as partes, tentando reequilibrar o contrato sem onerar para nenhum dos lados, e para isso os dois lados precisam fazer concessões, isto é claro.

Um exemplo clássico são os pacotes de viagens. O consumidor que trabalhou o ano inteiro e juntou seu dinheiro suado para proporcionar uma viagem para ele e sua esposa. Programa suas férias para a viagem e de repente a pandemia é instalada e ele tem que cancelar tudo pois não é obrigado e ainda é orientado pelas autoridades a não viajar e pôr em risco a sua vida e da sua esposa.

Por outro lado, imagina quantas agências de viagem podem falir se tiverem que devolver todo o valor recebido sem qualquer retenção ou cobrança de taxa? Imagina se todas as companhias aéreas reembolsarem sem custos as passagens vendidas?

Nem o consumidor nem o fornecedor têm culpa da situação de extremo perigo para a saúde e por isso também não podem ser penalizados, então o que fazer? Deve-se ter em mente que o consumidor é sempre a parte mais frágil na relação. Mas neste momento de crise é preciso muita consciência e flexibilidade por parte do fornecedor e do consumidor. Os dois devem buscar uma negociação que melhor atenda ambas as partes. Não sendo possível este entendimento, o consumidor deve procurar o Procon ou as vias judiciais para orientação e solução do problema.

A Medida Provisória 925/2020, do governo federal, estabelece medidas relacionadas às passagens aéreas em função da pandemia. Quais opções o consumidor tem em caso de cancelamento? Como fica a cobrança de penalidades contratuais se o cancelamento for iniciativa do consumidor?

O artigo 3º do CDC é bem claro quando estabelece que o prazo para o reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas será de 12 meses, observadas as regras do serviço contratado e mantida a assistência material, nos termos da regulamentação vigente. Já o parágrafo 1º aponta que os consumidores ficarão isentos das penalidades contratuais, por meio da aceitação de crédito para utilização no prazo de 12 meses, contado da data do voo contratado.

Também podemos citar a MP 925/2020, que prevê duas situações. Na primeira, caso o consumidor opte pelo cancelamento, a empresa aérea terá o prazo de até 12 meses para o reembolso do valor. Nesse caso, nada foi mencionado sobre isenção de multa, mas, subentende-se que o consumidor arcará com a multa a ser aplicada pela companhia aérea. Assim, o passageiro que decidir cancelar sua passagem aérea e optar pelo seu reembolso, está sujeito às regras contratuais da tarifa adquirida, ou seja, é possível que sejam aplicadas eventuais multas.

A resolução 400/2016 da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), determina em seu artigo 9º que as multas contratuais não poderão ultrapassar o valor dos serviços de transporte aéreo e devem ser calculadas sem incluir as tarifas aeroportuárias e os valores devidos a entes governamentais na base de cálculo.

Outra situação colocada pela MP é a isenção de multa caso o consumidor opte pelo crédito do valor pago para utilização em outra data, dentro de 12 meses a contar da data da compra da passagem.

E no caso de outras despesas já contratadas como pacote de viagem junto a agências, contratação de serviços de hospedagem, compra antecipada de passeios?

O consumidor deve procurar a agência e negociar. Com certeza a agência deverá reter algum percentual pelo serviço prestado. As regras vão estar no contrato de compra e venda do serviço. Quanto às passagens aéreas, é preciso seguir a MP 925/2020. Para os demais serviços contratados no pacote de viagem, as regras do contrato deverão ser seguidas, mas existem recomendações da Secretaria Geral do Consumidor (Senacon) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) para que haja maior flexibilização e negociação por parte das agências de forma a não gerar grandes prejuízos ao consumidor. Mas cabe ressaltar que o consumidor insatisfeito poderá procurar o Procon e as vias judiciais.

As companhias aéreas estão com promoções na venda de passagens aéreas. Que cuidados o consumidor deve tomar na compra?

Sempre que uma oferta oferecer grandes vantagens, o consumidor deve ficar atento às “entrelinhas”, ou seja, o que está por trás disso. No caso específico é necessário observar as regras da tarifa e as multas aplicadas em caso de qualquer tipo de alteração como remarcação e cancelamento.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) anunciou a prorrogação, por 60 dias, dos vencimentos de dívidas para os contratos vigentes em dia e limitados aos valores já utilizados. Como os clientes devem proceder?

Primeiro cabe esclarecer que esse prazo de até 60 dias não se aplica à dívida de cartão de crédito e cheque especial, nem às contas de consumo como boletos de água e luz, limitando-se aos contratos de empréstimo pessoal, financiamento de carro e imóvel.  Segundo, não ficou claro como será a questão dos juros em caso de renegociação de um contrato. Cada banco irá definir o prazo e as condições de pagamento. E quanto à cobrança de juros na renegociação do contrato, também será definida individualmente por cada banco que irá estabelecer seu procedimento, e cada caso será avaliado de forma individual.

Assim, o Procon aconselha que o consumidor, caso necessite dessa moratória, que procure o seu gerente do banco e ter claramente explicadas as condições a serem oferecidas, bem como os juros aplicados, possíveis alterações no contrato e o valor final a ser pago. Por fim, se vale realmente a pena utilizar-se dessa moratória.

Especificamente sobre a prestação de serviços essenciais como energia elétrica, gás e água. Hoje, o atraso no pagamento das faturas resulta em corte no fornecimento. Já existe alguma decisão sobre esse assunto?

A Cesan já se pronunciou quanto a não cobrança de água nos meses de março e abril para quem é beneficiário da tarifa social e suspensão do corte deste serviço durante 30 dias para todos os usuários. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) determinou para todas as distribuidoras de energia elétrica do País a suspensão do corte do serviço por 90 dias para os devedores inadimplentes. Essa medida é válida para residências urbanas e rurais e para serviços essenciais. A moratória se refere apenas ao corte de energia, mas a cobrança da dívida permanece.

A resolução da Aneel determina ainda a suspensão da entrega mensal da fatura impressa; entrega pessoal de faturas; suspensão do descadastramento de famílias da tarifa social e suspensão de atendimento presencial ao público.

No caso de prestação de serviços, muitos consumidores optam por se comprometer com o pagamento por um determinado período em troca de vantagens financeiras. Como fica a situação do consumidor? Podemos citar o exemplo de academias nesse caso.

É necessário se ter bom senso e procurar sempre um acordo consensual e, se possível, que o consumidor aguarde o fim da quarentena para negociar a melhor alternativa para o seu caso. Segundo o Idec, o consumidor pode pedir o cancelamento da matrícula, sem pagamentos de multas, e até reembolso em casos específicos, como cursos de curta duração que ficarão prejudicados pela suspensão de aulas e com impossibilidade de continuação pelo aluno em períodos posteriores. O mesmo se aplica aos cursos de idiomas.

O Procon orienta que, na medida do possível, o consumidor decida pela opção de crédito a ser utilizado no futuro em vez de optar pelo reembolso imediato. Esta prática vai aliviar o fornecedor, não impondo a ele uma situação de prejuízo que pode até levar a falência do seu negócio. Trata-se de uma situação extraordinária.

Nesse sentido, muitas empresas estão incentivando os clientes consumidores que contrataram serviços de cerimoniais, por exemplo, a remarcar o evento ou pedir um crédito para uso futuro com validade de 12 meses. Da mesma forma cinemas, teatros e casas de shows incentivam aos consumidores a guardarem seus ingressos para uso quando do retorno das atividades normais.

Mas é preciso lembrar que a escolha é sempre do consumidor que, de acordo com a artigo 35 do CDC, poderá escolher a alternativa que melhor lhe atender: exigir a devolução do valor sem pagamento de multa; remarcação do evento para uma nova da data ou crédito do valor pago para uso no futuro.

No caso das academias, em que na maioria das vezes são contratos com fidelidade devido aos descontos oferecidos, o consumidor poderá estender o prazo do contrato pelo tempo de paralisação correspondente, o que quer dizer que o consumidor tem o direito de usar o serviço estendido pelo período que ficou fechado, sem custos adicionais.

Por Márcia Tourinho | Portal Web Ales

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