“Nós somos donos territorialmente da Floresta Amazônica, mas não temos o dever de preservá-la apenas para os brasileiros. Ou o oxigênio que brota da Amazônia e a chuva que a Amazônia proporciona a todo o continente são algo que pertence só ao Brasil? Se assim pensarmos, podemos fechar todas as disciplinas de meio ambiente no mundo, porque o meio ambiente é algo que transcende os países.”
A afirmação foi feita pelo presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, na abertura do seminário internacional A jurisdição ambiental após Mariana e Brumadinho – os desafios do sistema de Justiça brasileiro nos casos de grandes desastres na perspectiva do direito comparado, que ocorre em Belo Horizonte nesta quinta (22) e sexta-feira (23).
O evento é uma iniciativa da Dom Helder Escola de Direito, com o objetivo de discutir a necessidade de alterações legislativas que permitam uma atuação estatal mais efetiva e célere nos casos de desastres ambientais, como o rompimento das barragens de Brumadinho (2019) e Mariana (2015), em Minas Gerais.
O seminário é dividido em quatro painéis que abordam os seguintes temas: “O futuro da jurisdição do Brasil”, “Jurisdição ambiental: a complexidade dos litígios ambientais”, “Jurisdição nacional e internacional” e “Jurisdição ambiental e a perspectiva privada”.
Função social da propriedade
Ao falar sobre a importância da preservação da Floresta Amazônica, Noronha fez uma reflexão a respeito da responsabilidade constitucional do Estado e das pessoas em relação à defesa do patrimônio natural e à utilização consciente de algo que é “bem comum de uso do povo”.
“O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental coletivo e, mais do que coletivo de localização nacional, é um direito transnacional. É um direito que cada país, que cada cidadão tem que fazer prevalecer, para que toda a humanidade possa gozar de qualidade de vida no presente e no futuro.”
O ministro também falou da função social da propriedade na preservação do meio ambiente e no compartilhamento dos recursos naturais. “A gente precisa interpretar a Constituição, e agora eu vou lá no direito de propriedade. O que é a função social da propriedade? É o seu uso sem prejudicar a coletividade. É simplesmente isso”, declarou.
“Você pode cercar a água que passa na sua propriedade e privar o seu vizinho do uso porque com o que passa na sua propriedade você faz o que quer? Ou você tem que permitir que a água corra, para que todos dela possam se aproveitar? Você pode queimar o seu pasto jogando fumaça no ar e poluindo o ar que o vizinho da cidade próxima respira?”
Evolução
O presidente do STJ destacou que a jurisprudência do tribunal evoluiu consideravelmente nos últimos tempos, porém advertiu que ainda há muito o que fazer para se alcançar a plena garantia de um meio ambiente saudável – direito legal e constitucional de todos. O magistrado também questionou a efetividade dos instrumentos processuais disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro.
“Se não tivermos instrumentos processuais capazes de concretizar esse direito, de nada vale. É preciso que nós, integrantes da Justiça, trabalhemos com afinco e determinação para concretizar os princípios que estão na Constituição.”
Ele criticou a possibilidade de uma grande quantidade de recursos nas ações ambientais, citando o exemplo da Alemanha, onde as questões são decididas em um tribunal de forma definitiva, o que evita o risco de lesões ao meio ambiente enquanto o processo tramita entre uma instância e outra. Defendeu também a criação de juízos especializados na área ambiental.
“Se nós quisermos respeitar o meio ambiente, precisamos criar algo que decida de modo definitivo”, declarou.
Reserva legal
O ministro mencionou precedente de sua relatoria em que se discutiu a responsabilidade do comprador de propriedade rural pela recomposição de reserva legal não delimitada. Além disso, defendeu a não aplicação da teoria do fato consumado em casos envolvendo direito ambiental.
“A aquisição de propriedade sem delimitação de reserva legal não exime o adquirente de recompor tal reserva, em face da natureza propter rem das obrigações ambientais”, explicou.
Fonte: STJ.