Festa da Penha: 450 anos de devoção e fé

Pandemia trouxe mudanças no formato do evento que celebra padroeira do estado. Fiéis reforçam preces em momento de crise mundial. Início das celebrações via internet neste domingo (12) Foto: Foto: Rômulo Benha

As multidões nas romarias e as aglomerações nas missas esse ano não serão vistas na Festa de Nossa Senhora da Penha. O maior evento religioso do estado chega aos 450 anos e terá novo formato: virtual. As celebrações de 12 a 20 de abril serão transmitidas via internet, mudança forçada pela pandemia do novo coronavírus, que obrigou a maior parte dos países afetados a adotar o isolamento social.

Se, por um lado, faltará o calor humano das centenas de pessoas que disputam espaço nas celebrações, por outro, o momento exige dos devotos ainda mais fé para superar a crise de saúde pública enfrentada globalmente e que tem gerado impactos em vários outros setores, em especial na economia. De acordo com os organizadores, a última edição do evento reuniu mais de 2 milhões de pessoas ao longo da programação de nove dias. Em formato virtual, o número pode ser bem maior, já que não há barreiras territoriais.

Neste ano, pela primeira vez, o dia da padroeira passa a ser feriado estadual previsto na Lei 11.010/2019, que estabelece o feriado na segunda-feira, oitavo dia posterior ao domingo de Páscoa. A organização do evento havia preparado uma programação com novidades, como missas e eventos culturais à noite, já contando com a expectativa de um público maior engrossado por fiéis vindos do interior capixaba.

As tradicionais romarias dos homens e das mulheres não acontecerão em 2020. Foto: Fabiano Mazzini

Por conta da pandemia as celebrações que costumam arregimentar milhares ao Convento da Penha, o cartão postal mais famoso do estado, agora terão de ser acompanhadas remotamente, por meio da rede mundial de computadores. As tradicionais romarias dos homens e das mulheres, por razões evidentes, não acontecerão. Pelo menos não presencialmente.

Novo formato

Celebrações próprias da festa como o oitavário e as missas serão transmitidas pela Internet e pelo rádio, a partir da capela do Convento. A missa de encerramento, como já ocorria nas edições anteriores, terá transmissão pela TV.

“Além das celebrações, a programação na internet contará com documentários das festas anteriores e entrevistas. A programação cultural também não foi abandonada e diversos artistas e grupos se revezarão, durante o período da festa, para trazer sua homenagem à Nossa Senhora através de pequenos shows pela Internet. Algumas romarias também devem acontecer de forma virtual. Este é um projeto mais exigente e ainda está em elaboração”, explica o guardião do Convento da Penha, Frei Paulo Roberto Pereira.

Para ele, o momento de crise que vivemos também inspira a necessidade de mudança. “O mundo inteiro está se reinventando”, diz.

“Em momentos transformadores muitos comportamentos são deixados de lado, outros – os essenciais – são reforçados. A experiência da fé, em momentos cruciais como este que estamos vivenciando, tende a ser reforçada”, afirma Frei Paulo Roberto Pereira.

A fé, em grande medida é dom de Deus; e é também esforço humano. A primeira parte nunca falta, a segunda nem sempre pode ser notada. Entretanto, quando nos dispomos a silenciar, quando somos, de certa forma, obrigados a estar a sós conosco mesmos, então nos abrimos ao mistério de Deus, voltamos nosso olhar na direção donde vem nossa esperança”, complementa Frei Paulo Roberto.

Relatos de fé

Várias são as histórias de pessoas que atribuem bênçãos e graças a Nossa Senhora da Penha. As demonstrações de fé são expressas em diversas formas de homenagem.

Rosânia mantém um altar dedicado à padroeira. Foto: arquivo pessoal

A devoção à padroeira foi quase uma herança transmitida pelos avós e pela mãe de Rosânia Pinheiro. “Uma das lembranças mais fortes que guardo é da minha mãe suplicando a Nossa Senhora da Penha a cura da minha irmã, ainda novinha. Minha mãe conta que a minha irmã teve o que ela chama de “congestão”, que a deixou praticamente morta.

Em meio às orações e súplicas, dizia que se a minha irmã fosse curada, subiria o Convento da Penha carregando a minha irmã no colo”. Com a graça alcançada, a mãe de Rosânia saiu de São Mateus, no norte do estado, e cumpriu a promessa.  “Naquela época só existia a estrada de pedra. Hoje parece uma coisa ‘simples’ ir ao Convento da Penha, mas naquela época, pobres e aqui do interior tudo era muito mais difícil. Minha irmã foi curada e a promessa cumprida”, conta a devota.

Rosânia mantém um altar dedicado à padroeira, primeiro pedido ao esposo quando decidiram construir a casa.  “Quando meu marido soube que eu queria dedicar o oratório a Nossa Senhora da Penha imediatamente se emocionou e me contou que a mãe dele o tinha dado como afilhado a Nossa Senhora da Penha. E, na época, mesmo com mais de 10 anos de casados eu não sabia dessa história.

Para mim, aquele ali tinha sido o sinal que ela teria um lugar de orações na nossa casa. Esse cantinho é meu lugar de calma, de paz, onde entrego minhas lágrimas à mãe da Penha na certeza de que ela sempre intercede junto a Deus”, conta.

Voluntariado

Arlette Uliana era tão criança que nem lembra ao certo quantos anos tinha quando começou a ir à Festa de Nossa Senhora da Penha. “Acho que devia ter uns cinco anos. Meu pai sempre foi muito devoto e levava eu e meus irmãos”, conta uma das sócias fundadoras e agora presidente da Associação dos Amigos do Convento da Penha (AACP). A entidade, criada em 1996, conta atualmente com cerca de dois mil sócios e, por meio de arrecadações, mantém o Convento da Penha. Somado a isso organiza e angaria patrocínios para a realização da festa anualmente.

Arlette diz que sempre recorre à padroeira em suas orações. Foto: arquivo pessoal

Os membros da associação são todos voluntários e com os recursos que arrecadam pagam oito funcionários responsáveis pela limpeza e conservação do local. Os valores também são revertidos na compra de materiais usados no dia a dia como material de limpeza.

“É a fé que nos move a ajudar a manter o convento, que é um monumento religioso e histórico, que move pessoas a ajudarem, a prestarem esse voluntariado a Nossa Senhora da Penha”, afirma Arlette.

Apesar de não atribuir qualquer milagre à Virgem, Arlette diz que sempre recorre à padroeira em suas orações, especialmente nos momentos difíceis. “Uma vez uma irmã fez uma cirurgia cardíaca e apresentou complicações, por isso teve que ficar em coma na UTI vários dias. A gente rezava muito e eu sempre pedia a Nossa Senhora da Penha pela saúde da minha irmã. Ela se recuperou e hoje está bem”, relata.

Penhas

Não seria exagero dizer que quem vive no Espírito Santo conhece ou já cruzou com alguma Penha ou Maria da Penha. Essa é uma forma que vários devotos encontram para homenagear a padroeira por aqui. De acordo com a pesquisa Nomes do Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, o Espírito Santo tem proporcionalmente o maior índice de registros de Penhas do País, seguido pelos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Uma delas é Maria da Penha Pestana de Alvarenga, nome escolhido pela mãe dela como forma de agradecimento por ter a tão sonhada filha, após dar à luz três meninos. Outra prova de gratidão à padroeira foi o batismo no santuário da Virgem, em Vila Velha, e a escolha de Nossa Senhora como madrinha. “A devoção a Nossa Senhora da Penha sempre foi a direção, o controle, a manifestação de fé e devoção em toda a nossa família”, conta.

A devota atribui muitas graças alcançadas à fé empenhada na também chamada mãe dos capixabas. Neste cenário de crise que o mundo atravessa, Maria da Penha se reveste em orações e reforça as súplicas à padroeira. “Nesse tempo em que estamos vivendo a terrível doença da pandemia por coronavírus peço à Virgem da Penha que nos conceda a graça do fim deste mal que nos assusta e amedronta. Mas nos ajude também a vencer com nossa força na fé, esperança e caridade”, roga.

Arte de Lucas Albani

Por Nicolle Expósito

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