A ceramista pernambucana Socorro Rodrigues (foto destaque), 66 anos, completados na quarta-feira (14), carrega a tradição da arte popular da família. O interesse pelos trabalhos feitos do barro veio de acompanhar o pai Zé Caboclo, um dos primeiros seguidores de Mestre Vitalino, um símbolo dessa cultura popular no Alto do Moura, em Caruaru, Pernambuco. Socorro começou a esculpir pequenas peças de brinquedos já aos seis anos e aos nove fazia peças para vender. Toda essa experiência de vida, Socorro vai contar no encontro virtual que o Museu do Pontal, do Rio de Janeiro, vai fazer nesta segunda-feira (19), às 17h.
A arte popular, no Alto do Moura, começou como uma tradição masculina a partir da obra do Mestre Vitalino, seguido por nomes como o pai de Socorro, por Manuel Eudócio e por Manuel Galdino, entre outros. As gerações seguintes começaram a mudar este comportamento e as mulheres passaram a ser reconhecidas como artistas e ceramistas.
A proximidade da participação do encontro virtual, que ela vê como mais um incentivo para tornar a sua arte conhecida, a deixou ansiosa. “Com esses tempos difíceis e a situação toda que está o nosso país, mas que se Deus quiser vai passar, né? Aí é muito importante. É mais uma divulgação para a gente poder vender. A pessoa fica mais conhecida, como eu estou vendendo na internet”, informou, à Agência Brasil, acrescentando que o seu site foi feito pela neta.
Preservação
Na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas, foram as mulheres que começaram a tradição de arte cerâmica, como dona Isabel Mendes da Cunha, da comunidade Santana do Araçuaí; e Noemisa, de Caraí; entre outras. Há cerca de 20 anos o fotógrafo mineiro Lori Figueiró tem feito registros de benzedeiras e parteiras, como forma de preservar a cultura popular da região. Nesse tempo, tem encontrado muitas histórias, como a da dona Generina Isidório da Silva, uma benzedeira de 106 anos, que está completamente lúcida e tem tataranetos. Lori contou que a conhece há mais de 10 anos e durante esse tempo vem fazendo registros fotográficos dela, de Blandina Silva Souza, mais conhecida como dona Baranda, que tem mais de 90 anos e não é possível precisar a idade porque perdeu os documentos e de Vera Lúcia Marques de 72 anos. Todas as três moram em Araçuaí, no médio Jequitinhonha. “Eu venho fotografando constantemente com a ideia de fazer um livro em homenagem a essas três benzedeiras. Nenhuma delas está deixando seguidores. As três lamentam”, completou Lori à reportagem da Agência.
Tantos registros depois de várias manifestações artísticas, pela primeira vez Lori vai participar de uma live. Embora seja sobre um assunto que conhece bastante, está com grande expectativa e com certa ansiedade para falar dos conhecedores tradicionais, como costuma chamar os artistas, especialmente, da região do alto e do médio Vale do Jequitinhonha. “Eu registro benzedeiras, parteiras, artesãos de um modo geral, os grupos de congado, tambozeiros de Nossa Senhora do Rosário, as pessoas que ainda fazem os saberes mais tradicionais mesmo, a farinha de mandioca, a rapadura. Trabalho com essas pessoas”, disse.
Para Lori Figueiró, parte do trabalho que faz é o registro do final de uma era, uma vez que alguns ofícios não estão sendo repassados para novas gerações, como é o caso de quem produz a farinha e a mandioca pelos métodos tradicionais. “Os mais jovens não querem mais este tipo de trabalho ou esse tipo de ofício”, observou.
Essa situação, conforme o fotógrafo, muda um pouco quando a manifestação cultural é mais relacionada à cerâmica e às esculturas em madeira. “Acredito que isso vai perdurar um pouco mais, mas as benzedeiras, as pessoas que fazem algum tipo de culinária, isso vem se perdendo muito. Os jovens não querem muito e os pais e avós não estão conseguindo repassar”, completou, destacando que uma das razões é o maior interesse pelas redes sociais.
Segundo o fotógrafo, em 2011, quando fez um trabalho em Jenipapo de Minas, a associação da tecelãs do local tinha em torno de 60 mulheres e hoje está praticamente fechada. Na mesma época a associação de tecelãs da cidade Berilo tinha 120 pessoas e agora em torno de 7 pessoas entre homens e mulheres trabalhando no tear. “Isso vem se perdendo”, completou.
“Embora eu fale que venho registrando o final de uma era, ainda tem muita coisa para registrar. É impressionante a força do povo, principalmente, as mulheres que são a força motriz do Vale”.
Para Joana Corrêa, que vai ser a mediadora do encontro, o aprimoramento técnico dos artistas vem colaborando para a preservação de parte da cultura popular da região. Ela é carioca, mas se mudou para o alto do Jequitinhonha de onde acompanha os trabalhos de artistas locais. O encontro virtual, na visão dela, vai permitir também o debate de uma arte feita por mulheres, que originalmente era produzida por homens. Como antropóloga, ela disse que a ação do tempo não consegue preservar tudo e, cada geração, traz uma nova contribuição. “Eu não tenho um olhar negativo com relação a essas mudanças. Os jovens vão encontrar os seus caminhos. O que tem hoje de produção cerâmica no Vale do Jequitinhonha em relação há 20 anos, é infinitamente mais amplo e complexo”, observou, concordando com Lori, que no caso das benzedeiras isso é mais difícil.
Encontro
Além de Socorro Rodrigues e do o fotógrafo Lori Figueiró o encontro vai ter a presença da ceramista Ducarmo Barbosa, de Minas Novas e Turmalina, em Minas Gerais e da ativista cultural e congadeira quilombola Sanete Esteves de Sousa, do Quilombo Mocó dos Pretos, em Berilo, também em Minas. Sanete vai mostrar também os aspectos intersecções sociais e raciais que se misturam nos desafios de ser liderança e artista da cultura popular. “O Vale sempre foi tratado como muito caboclo, mas, na verdade, tem uma tradição negra, da região das Minas fundada por uma população majoritariamente de origem africana. Essa tradição muitas vezes é apagada. A Sanete traz essa força e muito raiz do Vale”, disse Joana em entrevista à Agência Brasil.
Livro
O encontro vai celebrar ainda o lançamento da segunda edição do livro Mulheres do Vale, substantivo feminino, de Lori Figueiró, pelo Centro de Cultura Memorial do Vale, no Serro. |Além de fotos, a publicação traz depoimentos das pessoas que fazem algum tipo de trabalho, que segundo o autor, deve ser preservado e poemas sobre elas. “É uma seleção de imagem de um vale mais tradicional e mais preservado. As casas com seus fogões de lenha, as paredes revestidas de imagens sacras misturadas com fotografias dos familiares, As benzedeiras, as mulheres que foram parteiras, as artesãs. O livro tem esse conjunto de imagens mais tradicionais do vale”, revelou. A primeira edição foi em 2019.
Por Cristina Índio | Agência Brasil
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