Cultura | BA

Uma artista fora de todas as molduras
No dia 6 de maio, das 19h às 21h, a Aliança Francesa de Salvador abre suas portas para a exposição “Emma Valle na coleção de Dimitri Ganzelevitch”. Com curadoria do próprio colecionador, a mostra reúne cerca de 40 obras da enigmática e extraordinária artista baiana, entre óleos sobre tela, gamelas entalhadas, talhas, azulejos, pedaços de fogão e o que mais coubesse em sua fúria criativa.
Emma Valle não pintava quadros. Ela deixava escapar mundos inteiros.
Nascida e morta em Salvador, a artista construiu sua trajetória à margem dos salões convencionais, firmando-se como a maior representante baiana da chamada Arte Fora das Normas — um universo onde o cotidiano se torna épico e os suportes se tornam personagens. O Cartola Internacional, pensão na Ladeira de Santa Teresa onde viveu e trabalhou por décadas, virou seu ateliê, santuário e cenário de delírios. Dali brotaram imagens de orixás, igrejas barrocas, barcos, burros, santos, fiações elétricas, burgueses frustrados e peixes que quase arrastam seus donos para dentro da água.

A artista costumava dizer que cada obra sua contava uma história. Literalmente: suas peças vinham acompanhadas por longos títulos explicativos, assinaturas e datas repetidas, às vezes até o preço. Tudo isso esculpido com tinta e obsessão. E se alguém duvidasse da durabilidade de suas criações, Emma tinha uma resposta afiada: “Meus quadros duram séculos, como os de Miguel Ângelo”.
No entanto, reduzi-la a uma artista naïf seria desonesto. Emma não buscava o lirismo da ingenuidade, mas sim o abismo do instinto. Como os artistas de Art Brut, definidos por Jean Dubuffet, ou os pacientes de Nise da Silveira, Emma falava com as imagens do inconsciente — um inconsciente tropical, urbano, afrobarroco.

A exposição é também uma celebração dessa redescoberta. Vinte e cinco anos após sua morte, o mercado de arte começa a reavaliar seu legado com a atenção que sempre mereceu. A mostra será seguida de um coquetel e um debate com o professor Luiz Freire (Escola de Belas Artes da UFBA), e com o próprio Dimitri Ganzelevitch.

Antes de Emma, um nome ajuda a entender o início dessa trajetória improvável: Reinaldo Eckenberger. Foi ao lado do artista argentino que Emma, então dona da pensão Cartola Internacional, trocou a rotina pelo espanto. Eles não se tornaram um coletivo, nem um casal, nem rivais. Foram dois satélites livres, girando em torno de suas próprias febres criativas, em uma Salvador que já parecia surreal.
Essa é mais do que uma exposição. É uma chance rara de se aproximar de uma artista que viveu e morreu como criou: fora das molduras, mas dentro de algo imenso.
Por Doris Pinheiro
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