Uma fase de recomeço e renovação. É assim que jovens produtores de chocolate do sul da Bahia definem o momento atual da cadeia produtiva de cacau na região. Impulsionados pela equipe de pesquisadores e extensionistas da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), situada estrategicamente entre Ilhéus e Itabuna, no centro da região cacaueira, os produtores da nova geração vislumbram um momento de expansão e de reforço de uma nova identidade para o sul da Bahia.
Atualmente, o estado que adotou o cacau como uma de suas culturas agrícolas de maior potencial já tem mais de 70 marcas de chocolates. Depois de já ter sido o maior produtor de cacau do Brasil, a Bahia também quer se consolidar como referência na produção de chocolate de qualidade.
O sul do estado já possui Indicação Geográfica de procedência do cacau. Aumentar produtividade e agregar valor são expressões que têm sido cada vez mais usados pelos especialistas e produtores da Bahia e dos outros estados que desenvolvem a cacauicultura.
O movimento focado na diversificação e verticalização da cadeia produtiva de cacau se intensificou a partir de 2009, principalmente depois do incentivo dado por pesquisadores da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). “É um nicho que há algum tempo vem se descobrindo. Das 70 marcas de chocolate da região, 95% saíram daqui da Ceplac e a gente percebe uma mudança no perfil de quem produz e no consumidor”, comenta Carlos Alexandre Silva Brandão, superintendente da Ceplac na Bahia.
Nova geração
Sob o olhar atento do cacauicultor, desde a colheita até o processo de fermentação, secagem, torra e a transformação na indústria, o chocolate fino ganha forma e fama na região sul da Bahia. Seguindo o movimento de produção “da amêndoa para o chocolate” (bean to bar) ou “da árvore para o chocolate” (tree to bar), produtores locais estão diversificando os negócios e impulsionando a produção de cacau com objetivo de atender um novo nicho de mercado.
Entre eles, os irmãos Antônio e Leonor Lavigne, proprietários da Fazenda Alegrias, situada entre Ilhéus e Itabuna e uma das produtoras de cacau mais antigas da região. “Nós somos a sexta geração plantando cacau, nossa família planta cacau há duzentos anos. Meu pai foi um eterno crente do cacau”, relata Leonor.
Mantendo a paixão do pai, há pouco mais de dez anos, a família decidiu investir na etapa pós-colheita do cacau e produzir mais do que o fruto. Aproveitando a proximidade com a Superintendência da Ceplac em Ilhéus e com as principais universidades da região, Antônio Lavigne começou a fazer cursos de capacitação em beneficiamento do cacau para aperfeiçoar o conhecimento nos processos de fermentação das amêndoas, secagem, classificação, torra até a transformação final do chocolate.
“A cultura do cacau vive hoje um momento animador de reconstrução. Estimula que a região saia dessa linha commodity e fortalece com produção, beneficiamento, novos produtos e toda essa linha de derivados do cacau”, destaca Antônio.
A primeira barra de chocolate da Fazenda Alegrias foi feita em 2015. A marca criada pelos irmãos oferece diferentes opções bombons e barras de chocolate com alto teor de cacau, além de nibs, mel e geleia do fruto.
“A Ceplac é um nicho de grandes cientistas, tem muita sabedoria e dedicação ali dentro, e eles estão fomentando a região, ajudando a concretizar o sonho do chocolate. Sem a Ceplac, a gente não teria chegado no chocolate, tanto pelo incentivo desde como plantar, como podar até ensinar a fermentar, a secar a amêndoa oferecer toda a estrutura física da fábrica para chegar na barrinha final”, relata Leonor.
Depois de passar um tempo em outras cidades para estudar e trabalhar, Leonor voltou à sede da fazenda para ajudar o irmão a tocar o novo desafio. Ela também está se qualificando na área de beneficiamento do cacau e não pretende retomar a carreira jurídica na qual é formada.
“Essa nova fase do cacau está propiciando à minha geração voltar ao campo, trabalhar e viver disso, porque nós estamos conseguindo uma melhoria de produção”, comenta Leonor.
“A agricultura encanta. E a cultura de cacau não deixa de brilhar nos olhos de quem é da região e quem vive a cultura do cacau e a cultura cabruca”, acrescenta Antônio. No ano passado, a amêndoa produzida na Fazenda Alegrias foi classificada entre as 20 melhores do país no 1º Concurso Nacional de Cacau de Qualidade.
O cacau da Fazenda Alegras é produzido pelo sistema cabruca, ou seja, os cacaueiros são plantados sob espécies nativas da Mata Atlântica e manejados de forma especial para minimizar o impacto ambiental sobre o bioma.
Depois que o cacau é colhido e quebrado de forma manual, é no lombo das mulas que suas sementes são levadas de dentro da cabruca para passar pelo processo de beneficiamento primário, que se inicia com a fermentação nos cochos de madeira.
“No nosso sistema agroflorestal da cabruca, a roça de cacau fica no meio da floresta, toda sombreada por outras plantas que foram essa biodiversidade. Dentro da cabruca, tem pelos menos 20 unidades de plantas nativas da Mata Atlântica, como cedro, jacarandá, jequitibá, sucupira, sapucaia e algumas plantas exóticas como a eritrina, cajazeira”, explica Antônio.
“No nosso sistema agroflorestal da cabruca, a roça de cacau fica no meio da floresta, toda sombreada por outras plantas que foram essa biodiversidade. Dentro da cabruca, tem pelos menos 20 unidades de plantas nativas da Mata Atlântica, como cedro, jacarandá, jequitibá, sucupira, sapucaia e algumas plantas exóticas como a eritrina, cajazeira”, explica Antônio.
Alta produtividade e referência em qualidade
Antônio também integra o chamado projeto 500, implementado pela Ceplac para desafiar os produtores da região a aumentarem a produtividade dos cacaueiros. “Estou no segundo ano do projeto e subi minha produtividade de 35 para 116 arrobas, tripliquei a produtividade na área do projeto. Isso é animador e vem com o apoio dos técnicos extensionistas da Ceplac, que estão presentes, e com um grupo de produtores que aprendem um com o outro com apoio da instituição”, destacou.
Além de ver a produtividade atingir novos patamares, os irmãos produtores sonham em ver a região sendo reconhecida nacional e internacionalmente como produtora de um cacau de qualidade diferenciada pela sua origem.
“A gente quer tornar o cacau do sul da Bahia um cacau referência de qualidade. De dizer assim: “de onde é que está vindo o cacau desse chocolate? É do sul da Bahia. Ah, então esse chocolate é bom”. É isso o que a gente quer, buscar essa origem. Da mesma forma que existem notas que reconhecem o chocolate da Venezuela, do Equador, a gente quer dizer assim “as características, o terroir (ambiente onde foi produzido) do nosso chocolate é de qualidade, porque nossa amêndoa é de qualidade”, projeta Leonor.
Rede em crescimento
O sonho dos irmãos Lavigne é compartilhado por outros jovens produtores da região, principalmente mulheres, que lançaram novos negócios no mercado de chocolate no bojo do crescente sentimento regional de valorizar o cacau plantado na Mata Atlântica.
A paulista radicada há 22 anos no sul da Bahia, Márcia Torres, é uma das produtoras que integra a nova rede de chocolateiras. Filha de um agricultor de cacau e agrônomo, ela sempre teve ligação com a terra, mas se formou em economia e administração e começou a empreender no mundo do chocolate em paralelo com outros trabalhos.
Depois de atuar por um tempo na captação de recursos para eventos relacionados ao chocolate, Márcia transformou a paixão pelo cacau em oportunidade. Em parceria com sua irmã e outros familiares que já tinham vocação na área de gastronomia, Márcia criou sua própria marca de chocolates.
“Fizemos o primeiro bean to bar completo em março do ano passado. Mas eu cuido mesmo da gestão do negócio. Eu não planto cacau, mas eu compro de quem ama o cultivo e está ali todos os dias escutando as orientações da Ceplac, de quem está estudando e quer promover a melhor amêndoa”, afirmou.
Márcia também trabalha na área de turismo e tem percebido interesse dos viajantes na história da lavoura cacaueira e pelo trabalho realizado pela Ceplac na região. “A Ceplac já faz parte do roteiro de muitos visitantes, que ficam encantados com a estrutura e com o que é feito. A gente tem que fortalecer esse órgão como nosso. Cada vez que eu vejo um chocolate novo, eu sei que é através da Ceplac, que investe e transmite esse conhecimento”, comenta.
De olho na demanda
Contadora de formação, bancária de profissão e confeiteira por paixão. É assim que Leilane Benevides se define depois de ingressar no mundo de produtores de chocolate de origem e de pequena escala. Leilane trabalha em um banco regional há 13 anos, justamente na área de crédito rural, onde conviveu com muitos produtores endividados por causa do problema causado pela praga da vassoura-de-bruxa.
Vendo de perto a aflição dos cacauicultores, começou a incentivá-los a diversificar a produção para agregar valor ao produto final. No começo, ela encontrou muito ceticismo em relação à fermentação de amêndoas de qualidade. Com o tempo, ela própria enveredou pelo caminho da produção de chocolate fino.
“Eu já sabia que havia uma grande demanda fora do país por chocolate de qualidade. Fui fazer uma pós- graduação voltada para cacau e chocolate para captar clientes. Meu interesse não era fazer o chocolate em si, mas no momento em que a gente compra uma maquininha Melanger e começa a brincar com ela, aí é um caminho sem volta”, brinca.
A formalização da sua marca ocorreu no ano passado. Leilane montou uma fábrica artesanal e tem como principais fornecedores de amêndoas de qualidade os produtores que um dia ela incentivou.
“A gente percebe que, mesmo no nosso mundinho, consegue ser um incentivador para que outros proprietários e outros fazendeiros melhorem a sua receita. Um deles me falou: “por sua causa estou investindo para produzir mel de cacau”. E isso é só o começo. Daqui pra frente vamos ver essa região bem conhecida como do cacau e do chocolate”, declarou.
Sabor diferenciado
Já Liliane Neves e Mariana Maltez decidiram apostar nos derivados do chocolate, principalmente, nos famosos brigadeiros gourmet, brownies e outras delícias refinadas com o sabor do chocolate baiano. E o negócio deu certo, já são quatro anos que as sócias ampliaram a produção caseira e estão no mercado.
“Resolvemos utilizar esse chocolate fino para produzir nossos produtos. A gente pensa em levar essa proposta de utilizar o chocolate da nossa região para outros produtores de derivados de chocolate. Tem muita gente produzindo coisa boa, vamos valorizar. Essa valorização vem desde a Ceplac, que vem cutucando os produtores e chega até nós dos derivados”, comenta Liliane.
Apesar do desejo de promover o chocolate do sul da Bahia, Leonor, Márcia, Leilane, Liliane e Mariana buscam sempre aprender com produtores de outras regiões. Elas integram o grupo “Mulheres do Chocolate no Brasil”, que reúne mulheres chocolateiras de todo o país, desde o PArá até o Rio Grande do Sul.
“Trocamos muita informação, experiência, e de vez em quando nos reunimos justamente buscando uma alternativa de trabalho, aprimoramento, conhecimento”, afirmou Leonor.
A próxima oportunidade de intercâmbio que os novos chocolateiros e chocolateiras vão aproveitar é a 11ª edição do Chocolat: Festival Internacional do Chocolate e Cacau. O evento será sediado em Ilhéus, Bahia, entre os dias 18 e 21 de julho.
O festival é considerado o maior de chocolate de origem do Brasil e tem o objetivo de reunir representantes de toda a cadeia produtiva de cacau, além de promover o sul da Bahia como uma das principais regiões produtoras de chocolate do país.
Texto: Debora Brito.