Guerra na Ucrânia: poloneses abrem portas para mais de 1 milhão de refugiados

Soldados e voluntários têm ajudado ucranianos no prédio da principal estação de trem de Przemysl | Foto: GETTY IMAGES

Refugiados de toda a Ucrânia estão sendo recebidos por poloneses assim que chegam à cidade de Przemysl, na Polônia, fronteira com o território ucraniano.

Existem, porém, preocupações sobre como o esforço de ajuda poderá ser mantido se a guerra continuar por muito tempo.

“Nós recebemos 180 mil refugiados em dez dias”, disse à BBC o prefeito, Wojciech Bakun. “Se continuar assim, no final do mês teremos tido meio milhão de pessoas entrando aqui.”

Desde o início da invasão russa à Ucrânia, mais de 1 milhão de pessoas já atravessaram a fronteira com a Polônia para fugir do conflito, segundo afirmou nesta segunda-feira (07/03) a Guarda de Fronteira Polonesa.

Na lotada estação de trem de Przemysl, a oito milhas da fronteira com a Ucrânia, Wojciech Bakun está orgulhoso do que sua cidade – com uma população de 60 mil pessoas – está fazendo pela Ucrânia, mas também apreensivo sobre o que está por vir.

Bakun é uma figura de peso, vestido em trajes militares enquanto circula pela elegante estação do século 19. As salas de espera e escritórios do prédio estão agora repletos de alimentos, garrafas de água, fraldas e roupas doadas – e são onde os ucranianos ficam sentados, em cadeiras ou no chão, cercados de bagagens, carrinhos de bebê e animais de estimação.

O prefeito de Przemysl, Wojciech Bakun (esq.), disse que 180 mil pessoas já chegaram à cidade

O esforço de ajuda aqui depende de voluntários, que atualmente são centenas. Mas será que isso pode ser mantido por muito tempo? “Provavelmente não”, diz o prefeito.

“Eles estão prontos para fazer isso por uma semana ou duas, talvez um mês, não por um período longo. Então estamos pensando no longo prazo e falando com organizações internacionais sobre como administrar isso se continuar por mais tempo.”

Famílias mobilizadas

Na principal sala de bilheteria da estação, pessoas que viajaram longas distâncias até Przemysl seguram pedaços de papel e papelão com mensagens escritas como: “Abrigo para oito em Gdansk”; “Podemos acomodar uma família – Varsóvia”; “40 lugares disponíveis em ônibus para a Alemanha”.

Przemysl é um óbvio ponto de destaque porque fica na principal linha cruzando a fronteira, com trens vindo de Lviv, no oeste da Ucrânia. Eles aparecem listados no painel de chegadas, mas não existe mais certeza sobre o que consta na tabela de horários.

Próximo à plataforma aonde os trens vindos da Ucrânia chegam, eu perguntei a um casal polonês, Pawel e Magda, por quem eles estavam esperando. “Uma mulher com três gatos”, disseram.

Cartazes oferecendo ajuda em Przemysl
Legenda da foto,Na estação de Przemysl, vários cartazes oferecem ajuda a refugiados ucranianos

Os dois haviam visto uma postagem no Facebook de uma ucraniana que vive em Taiwan, desesperada para encontrar alguém que pudesse receber sua mãe, Lyudmila, de 75 anos, e dar-lhe uma cama para ela passar a noite antes de ela seguir viagem.

Pawel e Magda já têm esperado por cinco horas. Eles sabiam em que trem Lyudmila viria? Não, e o telefone da ucraniana estava sem bateria. Como eles a reconheceriam? Pawel pegou um papel de dentro do seu casaco, com seu nome escrito nele, mas disse que eles ficariam procurando alguma pessoa que estivesse com três gatos.

Ucraniana com seu cachorro na estação de Przemysl
Legenda da foto, Muitos refugiados ucranianos viajaram acompanhados de seus animais de estimação

“Para mim, é incrível ver como os poloneses têm se comovido com a situação na Ucrânia.” Os olhos de Pawel estavam cheios de lágrimas enquanto ele falava sobre por que ele e Magda estavam dispostos a ficar de pé na estação por tantas horas, prontos para receber não apenas Lyudmila, mas outros que possam chegar com ela.

Pawel não é o único a ter reagido dessa maneira: várias pessoas emocionaram-se quando ao contar por que decidiram abrir suas casas e ajudar de outras formas.

Há longas ligações históricas que atravessam a fronteira entre os dois países, além de ligações familiares e linguísticas. Os poloneses, porém, também sentem conectados a esta situação porque podem imaginar como é estar enfrentando os russos.

Faz apenas pouco mais de 30 anos que o comunismo implodiu neste país, e também existem memórias mais antigas da ocupação soviética. Além disso, nem todo mundo tem total confiança de que fazer parte da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar ocidental), como é o caso da Polônia, é proteção suficiente contra Vladimir Putin.

Refugiado dorme na estação de trem
Legenda da foto,Refugiados que chegam a Przemysl exaustos acabam dormindo na estação de trem

Até mesmo para os ucranianos que chegam aqui com um plano sobre para onde eles querem ir, há um palpável sentimento de choque sobre a mudança em suas circunstâncias. Uma mulher, de 30 e poucos anos de idade e que estava com seu filho Igor, de 10 anos, disse que gostaria de ir para a Espanha, mas neste momento ela estava em pânico. Estava escurecendo. “Nós encontraremos algum lugar para dormir e de manhã pensaremos sobre o que fazer.”

Ilona, que estava ali por perto, em pé, fazia parte de um grupo maior – sua mãe, tias, primos e seus filhos. Nenhum deles tinha malas, apenas mochilas e sacolas de mão, que como eu pude ver carregavam comida e brinquedos.

“Nós queríamos poder nos movimentarmos com facilidade”, disse ela. Ilona tem apenas 22 anos, uma estudante do último ano de medicina que não sabe quando ou como ela completará seus estudos para se tornar médica – e com seu pai ainda em Kiev, a capital da Ucrânia.

“As pessoas em Przemysl são calorosas”, o prefeito me disse, e sem dúvida isso tem se mostrado na atitude dos moradores em relação aos ucranianos. Na semana passada, no entanto, a polícia local disse ter havido um ataque contra três refugiados africanos, cometido por quatro pessoas, e um outro incidente envolvendo abuso verbal.

Áreas para mães e crianças na estação de Przemysl
Legenda da foto,Uma sala especial da estação foi preparada para receber mães com crianças pequenas

O prefeito disse que a culpa era de uma campanha de desinformação, com a circulação de mensagens sugerindo que mulheres da cidade corriam risco e que as pessoas não deveriam deixar suas casas. As autoridades estão agora apelando para que todos fiquem calmos, deixando claro que não tem havido nenhum aumento no número de incidentes violentos.

Se os poloneses estão emocionados, muitos ucranianos também estão. Há tanto alívio pelo fato de que conseguiram chegar a um lugar seguro como agradecimento pelo que eles encontram quando chegam aqui – as ofertas de transporte, acomodação, as doações, o apoio. No salão espaçoso, com pé direito alto e pintado a ouro, que costumava ser o café da estação, alguém montou uma pequena cozinha e uma casa de bonecas num canto.

Olha com cartaz em Przemysl
Legenda da foto, Olha, que vive na Alemanha, veio a Przemysl para pegar sua mãe e oferecer transporte a outros

Duas mães que haviam acabado de chegar, com três crianças, acomodaram-se agradecidas perto dela, aliviadas por ter alguma coisa para manter as meninas e o pequeno menino ocupados. No entanto, assim que os três estão ocupados, e as mulheres têm um momento para elas mesmas, eu posso ver como seus rostos estão abatidos e como suas cabeças estão cheias de preocupação.

Existe, no entanto, um belo sorriso entre aqueles ocupando a estação. É o de Olha – ucraniana, ela tem vivido na Alemanha há anos e veio para cá para pegar sua mãe. Com a bandeira ucraniana sobre seus ombros, ela segura uma placa oferecendo transporte para outras pessoas que também chegam do país vizinho.

“Eu quero lhe dizer que, da minha família, apenas minha mãe decidiu deixar a Ucrânia”, afirma Olha. “Todo o resto está ficando para defender o país. E isso é o fim de Putin.”

Mishal Husain | BBC Today


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