Sal-gema: riqueza intocada no Espírito Santo

Descobertas há mais de 40 anos, jazidas em Conceição da Barra podem representar uma injeção para o desenvolvimento socioeconômico capixaba

Em busca de petróleo, perfurações feitas acabaram encontrando sal-gema no subsolo capixaba | Foto: Lucas S. Costa

Em 1976, enquanto perfurava os entornos de Conceição da Barra em busca de hidrocarbonetos, a Petrobras acabou não achando petróleo, mas constatou a presença de sais solúveis na região. Diante das potencialidades no subsolo capixaba, a Petromisa, subsidiária da estatal voltada para a mineração, assumiu os trabalhos para pesquisar as localidades, que somam 110 mil hectares. 

Quis o destino, ou a natureza, que ao longo do tempo a mineradora, já extinta, acabasse descobrindo a maior jazida de sal-gema do Brasil, com 54% das reservas estimadas no país, totalizando um volume de quase 20 bilhões de toneladas. Mas de lá para cá essa riqueza permaneceu intocada. 

A história agora parece perto de um final. As 11 poligonais demarcadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) foram para leilão e os vencedores serão divulgados em 20 de setembro. O órgão estima que sejam investidos R$ 170 milhões nas atividades de pesquisa mineral, incluindo, entre outras, a contratação de serviços de sondagem, de laboratórios geoquímicos e de empresas de mapeamento geológico. 

A expectativa é que o mineral represente um novo ciclo econômico para região e também para o estado. Mas ainda levará tempo, pois esse tipo de empreendimento exige anos para que seja colocado em prática sem levar em conta o período de pesquisa.

Sal da terra

Literalmente da terra, ou melhor debaixo dela, vem o sal-gema, que tem a mesmo “DNA” (cloreto de sódio) de seu “irmão caçula” e mais conhecido: o sal marinho, geralmente transformado em sal de cozinha. A diferença está na maneira como se formam – o tempero que consumimos no dia a dia geralmente vem do mar e surge a partir da evaporação da água represada pelo homem. 

Esse processo é infinitamente mais rápido quando comparado à formação do “irmão mais velho”, também conhecido como sal fóssil. Nesse caso, a evaporação e formação das rochas teve início há 120 milhões de anos, quando houve a deposição de sal, explica o professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Paulo de Tarso Ferro de Oliveira Fortes. As camadas levaram cerca de 500 mil anos para serem formadas naturalmente. 

De acordo com o geólogo, o sal-gema é encontrado no mundo todo. As rochas achadas no Estado estão em camadas com até 2 mil metros de profundidade e apresentam boa pureza. Enquanto o sal marinho é geralmente usado no consumo humano e de animais, o sal-gema, que existe em quantidades maiores, é empregado sobretudo na indústria química. 

Trata-se de uma matéria-prima versátil, usado na fabricação de cloro, soda cáustica, ácido clorídrico e bicarbonato de sódio; na composição de produtos farmacêuticos; nas indústrias de papel, celulose e vidro; e em produtos de higiene, tais como sabão, detergente e pasta de dente. É empregado também no tratamento da água e nas indústrias têxtil e bélica. 

O sal-gema é uma rocha composta basicamente por halita (NaCl) e não pode ser confundido com sal de potássio (KCl), geralmente usado para produzir fertilizantes.

Extração

A extração é feita de duas formas: quando as camadas são mais superficiais e horizontalizadas o sal é lavrado com maquinário no subsolo. Mas se as formas são mais profundas, é utilizada a lavra por dissolução. “Você faz um poço, injeta água, esse sal que está lá é dissolvido e você bombeia de volta. Aí vai para uma usina de beneficiamento”, explica o professor Paulo de Tarso. Esse é inclusive o método sugerido para extrair o mineral do solo capixaba, conforme relatório final apresentado pela Petromisa à época.

“A vantagem é que ele tem esse grau de pureza, uma concentração maior. Você tem que retirar ele de lá (da mina), mas é mais fácil do que evaporar a água do mar, que você ainda teria que fazer uma purificação”, reforça o diretor de Sustentabilidade e Assuntos Regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Julio Nery.

O engenheiro de minas e especialista em sal-gema Paulo Cabral fala sobre a saturação. Enquanto a água do mar, que alimenta salinas, tem 30g de sal por litro, na salmoura por dissolução subterrânea é possível alcançar 300g por litro, 10 vezes mais. “A cada 3 metros cúbicos (3 mil litros) você teria aproximadamente 1 tonelada de sal contido nessa salmoura”, frisa.

O professor Paulo de Tarso revela que aproximadamente 80% da produção de sal do Brasil vêm do mar e, no cenário internacional, o desempenho do Brasil é baixo. De fato, conforme mostra o Sumário Mineral mais recente editado pela ANM em 2018, no ano anterior a produção do país tinha sido de 2,67%, quase um décimo da participação da primeira colocada, a China.

Expectativa

Em Conceição da Barra, há uma forte expectativa para que as promessas de desenvolvimento saiam do papel, afirma o deputado Freitas (PSB), que tem base eleitoral no norte capixaba. O parlamentar inclusive lidera uma frente parlamentar na Assembleia Legislativa (Ales) para debater as potencialidades desse possível ciclo econômico. 

De acordo com Freitas, o objetivo é reter os dividendos econômicos e sociais dessa atividade no estado, ao contrário do que aconteceu no município de São Mateus em relação ao petróleo. Lá, depois de 60 anos de exploração, a Petrobras acabou abrindo mão do negócio e praticamente não deixou legado, avalia. “A gente não observa o desenvolvimento social, organizacional, estrutural do município de São Mateus”. 

Essa preocupação tem fundamento. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Conceição da Barra é de 0,681, conforme dados do IBGE de 2010. O IDH classificado como médio coloca o município com população estimada em 29 mil habitantes na 48ª colocação no ranque estadual de 78 cidades em uma região já historicamente desassistida.

Parlamentares estaduais e o deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES), que atuou para destravar o leilão das áreas, trabalham no sentido de proporcionar condições para instalar um polo industrial na região. O objetivo é gerar emprego e renda e evitar que a extração do sal-gema torne-se apenas uma atividade mineradora.

Potencial

A latente viabilidade econômica é inegável. Relatórios feitos pela Petromisa ainda na década de 1980 já apontavam grande presença de sal solúvel em 11 áreas da região. Com base nessas informações, o ex-diretor-geral do então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Miguel Nery, calcula o volume de sal-gema (entre recursos medidos, indicados e indeferidos) na casa dos 19 bilhões de toneladas.

“Que tem potencial, tem, já está comprovado lá”, afirma Miguel Nery, atualmente gerente-executivo da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral e Mineração (ABPM). Mas, de acordo com ele, é preciso resolver uma “equação” para saber qual mercado será atendido por essa riqueza.

Alternativas não faltam, conforme explica o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Ciro Marino. Uma delas é a mineração e a entrega do sal-gema para polos químicos. Embora seja a atividade mais simples, teria utilidade em um cenário de importação do mineral pelo Brasil. Além disso, as minas de Maceió (AL) estão paralisadas. “Seria uma grande possibilidade de substituição de importações e o país poupar divisas”, frisa.   

As importações de sal, em 2017, de acordo com o sumário da ANM, somaram 757 mil toneladas, representando US$ 30,2 milhões – o mineral vem dos EUA, China, Chile, Paquistão e Dinamarca principalmente. “Já que os polos (químicos) que existem hoje importam, então você pode produzir aqui também e vender para esses produtores. O mercado tá aí”, observa o diretor do Ibram Julio Nery. 

O engenheiro de minas Paulo Cabral enxerga na perfuração de poços para a produção de sal sólido o primeiro passo na exploração das jazidas. A criação de uma salina poderia prover também o consumo humano e animal, além de abastecer plantas de cloro-soda. Uma das vantagens do Espírito Santo seria a localização das reservas. “É a única jazida do país próxima do Sul-Sudeste”, sublinha o consultor.

“É potencial? É. Mas vamos começar pensando pequeno”, avalia. Na opinião de Cabral, o sal-gema capixaba de alta qualidade, aliado à logística favorável e a uma reserva potencial, pode ajudar o estado a entrar na competição pelos mercados consumidores. “Onde o sal do Rio Grande do Norte atende, vocês podem está lá”, afirma. A instalação de um poço custaria em torno de US$ 1 milhão. 

Custos e prazos

Há a possibilidade de instalação de uma indústria de produção de cloro e soda. Essa fábrica usa a salmoura extraída do poço e, por meio da eletrólise, a transforma em cloro (gás) e soda cáustica (líquida). “O cloro em si seria um processo industrial muito menos sofisticado do que uma central petroquímica”, avalia Ciro Marino, e exigiria investimento menor que US$ 1 bilhão.

O valor pode ser considerado alto, mas não chega perto dos custos para implantar uma central petroquímica, estimada em US$ 20 bilhões. Esse é considerado o empreendimento ideal. Se houver produção de eteno (subproduto do petróleo) no Espírito Santo, será possível aproveitar o cloro extraído do sal para manufaturar o PVC, com várias utilidades no mercado, desde vestuário, calçados e tubos de construção civil. O polo de Camaçari (BA) é um exemplo desse tipo de empreendimento. 

Seja qual for a decisão, “um projeto não descarta o outro, são complementares”, ressalva Ciro Marino. Nenhuma dessas iniciativas é de curtíssimo prazo. Da concepção ao funcionamento, por exemplo, uma “simples” mina de sal-gema levaria de 5 a 10 anos.

De acordo com o gerente da ABPM Miguel Nery, o plano de aproveitamento econômico da região apresentado pela Petrobras décadas atrás prevê investimento no valor de US$ 48,5 milhões para a perfuração de 22 poços, com a geração de 180 empregos diretos. O plano aponta também a possibilidade de implantação de um polo sal-químico. 

Empregos

Considerando toda a cadeia de produção em um cenário otimista de indústria petroquímica, a diretora da ANM Débora Puccini avalia que é possível alcançar a criação de até 15 mil postos de trabalho. No entanto, esse segmento exige mão de obra qualificada, que chega a ganhar três vezes mais que os demais setores industriais (cerca de R$ 8 mil), de acordo com Ciro Marino. 

O presidente-executivo da Abiquim pondera que, por conta dos sistemas automatizados utilizados nos processos de produção, muitas atividades acabam não gerando tantos empregos. “Um funcionário numa sala de controle aperta um botão e produz milhões de toneladas de um determinado produto químico”, destaca. 

Enquanto uma planta de fábrica de cloro não gera mais do que 300 funcionários, uma central petroquímica tem em seus quadros 600 trabalhadores. “O foco não é o emprego; é a arrecadação de impostos”, revela Marino. Mesmo o preço por tonelada do mineral sendo relativamente baixo, o volume é “astronômico”.

É preciso lembrar que sobre a exploração mineral também incide a Compensação Financeira sobre a Exploração Mineral (Cfem). Esses “royalties” são recolhidos pelas empresas e a destinação, regrada por lei, inclui, entre outros, municípios e estados onde há produção. No caso do sal-gema a alíquota é de 3%. Em 2020 foram produzidos 37,9 bilhões de toneladas, com arrecadação de R$ 1,1 milhão. Em 2021 esses números já são maiores.

Gargalos 

Apesar das potencialidades, o setor produtivo aponta gargalos que devem ser superados para atrair os investidores. Essa é também uma das tarefas da Frente Parlamentar do Sal-Gema na Ales.

O deputado Freitas revela que a Assembleia Legislativa vai trabalhar para fortalecer os interesses da iniciativa privada junto ao governo do Estado. Isso inclui ações para melhorar a logística e a segurança no fornecimento da energia elétrica e água. 

O uso do sal na indústria química é possível por causa da eletrólise, que surgiu no final do século 19. Por meio dela é possível separar o sódio do cloro do sal, detalha o professor Paulo de Tarso, da Ufes. Esse processo, no entanto, exige grande quantidade de energia e a um preço competitivo. “A depender de onde está a planta, de 60% a 70% do custo do cloro, da soda, é energia elétrica”, observa Ciro Marino. 

A água, não necessariamente doce, precisa estar disponível em abundância para injeção nos poços e extrair a salmoura. Na logística, os modais preferidos são a linha férrea e portos. 

O presidente da Abiquim, Ciro Marino, cobra a necessidade de ações estruturais de Estado (e não de governo) de longo prazo para conferir segurança no planejamento dos negócios, incluindo melhorias nos marcos regulatórios, sistema tributário e nas questões sociais e ambientais. 

“A gente precisa saber que a legislação que está vigente hoje, durante o momento que você está desenvolvendo o projeto, seja a mesma legislação daqui a 20 anos porque essa mineração aí vai durar pelo menos 50”, pontua. 

Por Marcos Bonn


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