Voto feminino faz 90 anos e luta por representação continua

Quase um século depois da conquista do direito, mulheres ainda constituem minoria na política apesar de serem 53% do eleitorado

Sub-representação das mulheres na política encontra raízes no modelo patriarcal de sociedade | Foto: Mídia Ninja/cc

O direito ao voto feminino, conquistado há 90 anos, foi um divisor de águas quanto ao lugar da mulher na sociedade brasileira. Por muito tempo restritos à esfera doméstica, os campos de atuação passaram a contemplar também espaços públicos. Lançadas à categoria de cidadãs, com pleno exercício de seus direitos políticos, elas passaram a votar e também a serem votadas. Entretanto, apesar do inegável avanço da participação da mulher na política, a representatividade nos cargos eletivos cresce a passos lentos.  

Um exemplo é o que pode ser observado na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales). Desde a primeira parlamentar no Legislativo capixaba, a professora e pedagoga Judith Leão Castelo Ribeiro, eleita em 1947, foram 31 mandatos femininos contra 698 exercidos por homens, segundo o Centro de Memória e Bens Culturais da Ales. Atualmente, dos 30 deputados estaduais, somente 3 são mulheres.

No Brasil, o quadro é semelhante. As parlamentares ocupam apenas 15% das vagas da Câmara dos Deputados (77 de um total de 513 deputados federais). No Senado, esse índice é de 12% (12 de 81). Um cenário diferente verifica-se na composição do eleitorado nacional, no qual 53% são mulheres, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Parlamentares em pé e sentados no Plenário do Congresso Nacional

A pouca representatividade feminina na política coloca o Brasil na 132ª posição entre 190 nações associadas à ONU. A disparidade entre homens e mulheres é explicada pela doutora em Filosofia do Direito e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Brunela Vincenzi: 

“No Brasil, de uma forma geral, as pessoas que ocupam os cargos eletivos não representam estatisticamente a forma como a população brasileira é dividida. Da mesma forma que temos uma sub-representação de mulheres, temos também a sub-representação de mulheres negras, de negros, da população indígena e LGBTQIA+. O motivo por trás dessa estatística é o histórico patriarcalismo que permeia a sociedade brasileira”, afirma.

Cidadania feminina

A professora destaca que o direito de voto feminino, conquistado em 1932, representou a mudança do lugar da mulher na sociedade: “A ideia patriarcal de que as mulheres pertencem somente à esfera privada deixa de se justificar, agora nós passamos a fazer parte do debate público, já que nosso voto é importante até mesmo para a eleição de homens”, analisa. 

Segundo Vincenzi, o direito ao voto significou para a mulher o reconhecimento da sua importância como cidadã e titular de direitos, não só de mãe, esposa, educadora e cuidadora, rótulos usualmente atribuídos às mulheres. 

“Reconhecer-se como pessoa que participa da vida pública abre à mulher uma gama enorme de possibilidades para participar também da esfera do trabalho e exigir melhores direitos tanto nas relações familiares como na vida pública”, esclarece a professora. 

Cotas nas eleições 

Como maneira de estimular a participação das mulheres na política e reduzir a diferença da quantidade de homens e mulheres em cargos eletivos, a Lei Federal 12.034/2009, conhecida como Minirreforma Eleitoral, determinou a obrigatoriedade de preenchimento de, no mínimo, 30% das vagas de cada partido por candidatas mulheres. Antes, a regra contida na Lei Federal 9.504/1997 (Lei das Eleições) falava apenas em reserva de vagas. Por isso, os partidos não se empenhavam para preencher as vagas com candidatas mulheres.

Mesmo com a obrigatoriedade vigente desde 2009, Brunela Vicenzi afirma que os partidos acabaram encontrando uma saída para não respeitar a norma. “Há, ainda, pouco interesse dos partidos em investir em candidaturas viáveis, de modo que mesmo respeitando a obrigação legal de 30% de candidatas, já vimos casos de candidatas laranjas e também de quase nenhum investimento financeiro nas campanhas de mulheres”, explica.

A professora destaca ainda que em um país onde a democracia é de representação indireta, é “importantíssimo” que as casas parlamentares e os cargos da administração direta reflitam sobre o percentual de mulheres que compõem a população brasileira:  “Temos que pensar que para votar leis e fazer políticas para mulheres, ninguém melhor do que elas próprias para expor e considerar as suas necessidades em relação às diversas matérias que passam pelo debate legislativo”, defende a professora.
 

Imagem e citação de Brunela Vincenzi sobre importância dos mandatos políticos de mulheres
Indo mais além, Vincenzi pontua que “mesmo dentre as mulheres, que já representam a maioria da população brasileira hoje, é preciso que se faça o devido recorte racial e de gênero, para que mulheres negras, indígenas, trans e lésbicas sejam representadas corretamente e com paridade.”

Falta de incentivo

Na opinião da deputada Janete de Sá (PMN), que está em seu quinto mandato na Ales, as mulheres ainda são um percentual pequeno nos cargos eletivos por causa da falta de incentivo. “Não existe estímulo para as mulheres participarem em condição de igualdade, principalmente em termos de recursos, para empreender no processo eleitoral. Muitas desistem no meio do caminho”, lamenta.

Janete ressalta que, embora existam cotas eleitorais, esse mecanismo pouco tem contribuído para melhorar o ingresso das mulheres em cargos eletivos e a atuação delas nesses espaços. 

“Muitas das candidatas que se inscrevem na lista de cotas partidárias são consideradas candidatas laranjas, sem sequer conhecerem suas obrigações ao final do pleito (por exemplo, prestação de contas e crime eleitoral). É necessário que os políticos, os partidos e o Estado se comprometam com uma agenda mais igualitária e que a sociedade civil consiga estimular e exigir uma mudança nesse cenário”, defende. 
 

Citação sobre candidaturas laranjas e imagem de Janete de Sá

A deputada, que foi uma das fundadoras da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Espírito Santo e única mulher a presidir o Sindicato dos Ferroviários ES/MG, destaca que – a partir de 2020 – a cota de gênero de 30% para as candidaturas se aplicava à coligação como um todo, a partir de 2020 ela se aplica a cada partido, individualmente. “Isso deve garantir mais espaço no cenário eleitoral às mulheres”, prevê.

A deputada Raquel Lessa (Pros), que foi eleita duas vezes prefeita de São Gabriel da Palha e está em seu segundo mandato consecutivo na Assembleia Legislativa, concorda com Janete de Sá: 

“É necessário que haja um estímulo para que as mulheres se vejam como possibilidade e se sintam engajadas a ingressar no ambiente político, levando em conta que ainda é majoritariamente masculino. Portanto, é mais do que justo assegurar vagas para as mulheres – não somente para concorrer. Isso já é uma realidade em outros países, como por exemplo, na Argentina, que estabelece cota de 50% para mulheres no Congresso”, destaca.

Para Raquel, também é preciso superar os resquícios do machismo que, muitas vezes, ainda atrapalham o pleno exercício do mandato feminino: “Felizmente, já se foi a época em que éramos vistas como cidadãs de segunda classe, mas precisamos continuar lutando por mais espaço e menos ambientes tóxicos. Essas são decisões importantes que afetam a todos nós, não só um gênero”.
 

Pandemia

A pandemia do novo coronavírus foi especialmente dura para as mulheres em razão dessa representação diminuta, exemplifica a deputada Janete de Sá: “Os dados apontam que foram as mulheres que mais sofreram neste período pandêmico. Nós somos 70% dos trabalhadores na área de saúde no mundo que estiveram na linha de frente do combate ao Covid. As mulheres ocupam apenas 39% dos empregos no mundo, no entanto, totalizaram 54% das demissões durante a pandemia. O fato é que a desigualdade de gênero, que já era elevada, aumentou consideravelmente nos últimos 2 anos.” 

Janete aponta ainda que as mulheres chefiam 45% dos lares brasileiros, sendo assim uma força produtiva e social altamente relevante. “A luta contra as desigualdades, incluindo a de gênero, dever de democratas e progressistas, revela a importância da participação das mulheres na vida política da nação, definidora de comportamento, costumes, ideias, garantir a democracia participativa, o contrato e consenso social”, conclui.

Preconceitos 

Deputada federal de 2003 a 2015 e exercendo seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa, Iriny Lopes (PT) chama a atenção para o fato de que desde 1932, quando as mulheres, após um amplo movimento, conquistaram o direito ao voto, muitas coisas mudaram, mas outras prosseguem a passos lentos.

“Nas eleições de 2020, tivemos alguns avanços no percentual de mulheres como vereadoras, algumas vice-prefeitas e poucas à frente do Executivo. O importante é ressaltar que parte das eleitas foram mulheres negras e também algumas da comunidade LGBTQIA+. O que vimos posteriormente, assim que assumiram os cargos, foi o aumento de ameaças às eleitas, sobretudo mulheres, incluindo as trans. Isso demonstra o quanto ainda temos que avançar na luta contra o machismo, o racismo e a LGBTfobia”, destaca.

Citação de Iriny sobre ameaças a mulheres eleitas e a transexuais e imagem de Iriny 

Com o intuito de prevenir e reprimir a violência contra a mulher no ambiente político, foi publicada em 2021 a Lei Federal 14.192. Iniciativa da deputada federal Rosângela Gomes (Republicanos-RJ), a norma abrange os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral, criminaliza a violência política contra a mulher e assegura a participação de mulheres em debates eleitorais proporcionalmente ao número de candidatas às eleições proporcionais.

História do voto feminino no Brasil*

Imagem de Emiliana Emery e escrito 1929 - Capixaba conquista na Justiça o direito de votar e é a terceira mulher no país a ter título de eleitor
 

  • 1891: Emendas em favor do voto feminino são rejeitadas na Assembleia Constituinte.
  • 1910: Criação do Partido Republicano Feminino pela professora Leolinda de Figueiredo Daltro.
  • 1919: A bióloga Bertha Lutz fundou a Liga Pela Emancipação Intelectual da Mulher, que mais tarde se tornaria a Federação Pelo Progresso Feminino.
  • 1929: A capixaba Emiliana Emery conseguiu na Justiça o direito de votar. Ela foi a terceira mulher do país a possuir um título de eleitor.
  • 1932: Voto feminino é reconhecido no Brasil para mulheres alfabetizadas, com idade superior a 21 anos, sem restrição quanto ao estado civil.
  • 1934: Constituição consagra o direito de as mulheres votarem, sem restrições de estado civil. O voto é facultativo, exceto para as servidoras públicas, que são obrigadas a votar.
  • 1946: Constituição torna obrigatório o voto para homens e mulheres no país, desde que demonstrem ser alfabetizados.
  • 1965: Novo Código Eleitoral iguala o voto feminino ao masculino eliminando todas as restrições aos direitos ao voto das mulheres.

Fonte: Câmara dos Deputados

Por Gabriela Knoblauch


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