Faltam dados sobre águas subterrâneas no Espírito Santo

Invisíveis aos olhos, bolsões sob a superfície terrestre são fontes de abastecimento nas cidades e no campo; no estado, faltam dados sobre qualidade e quantidade dos aquíferos

No Brasil, extração de água subterrânea é feita especialmente por meio de poços | Foto: Canva

O tema do Dia Mundial da Água 2022, celebrado neste 22 de março, é “Águas subterrâneas: tornando o invisível visível”. O assunto ressoa especialmente no Espírito Santo, onde há muito a se conhecer e regulamentar sobre as tais “águas invisíveis”.

As águas que penetram o solo, preenchendo completamente os poros das rochas e dos sedimentos, formam os chamados aquíferos. Esses bolsões desempenham diversas funções ecológicas como a proteção da água doce, ao minimizar a sua evaporação, e manutenção da umidade do solo, colaborando para a preservação da flora.

Doutora em Geologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Luiza Bricalli destaca que “o principal impacto das águas subterrâneas no ecossistema ocorre na dinâmica do ciclo hidrológico, que é o movimento da água na superfície terrestre e abaixo dela, que circula entre os diversos reservatórios: oceanos, atmosfera e continentes”.

“O movimento cíclico da água – do oceano para a atmosfera pela evaporação – volta para a superfície por meio da chuva e, então, retorna aos oceanos. Parte da água que se precipita nos continentes encharca o subsolo pela infiltração, onde a água penetra nas rochas ou nos solos”, explica a geóloga.

Vale ainda destacar que o caminho da água entre as rochas gera um processo natural de filtragem e purificação. Naturalmente limpo, esse recurso abastece tanto o campo quanto as cidades, além de alimentar sistemas aquáticos como rios, lagos, mangues e pântanos, tornando-se, assim, fundamental à segurança hídrica. Dados do livro As águas subterrâneas e sua importância ambiental e socioeconomica para o Brasil apontam que, em 2019, mais de 30 milhões de brasileiros (17,7%) faziam uso das águas subterrâneas.

Conforme o Estudo de Águas Subterrâneas, realizado pelo Instituto Trata Brasil, inúmeras atividades econômicas utilizam as águas subterrâneas para suprir suas necessidades pelo país, sendo o seu uso distribuído entre atendimento doméstico (30%), agropecuário (24%), abastecimento público urbano (18%) e abastecimento múltiplo (14%), cujo destino é em grande parte diversificado para a prestação de serviços urbanos. Os dados são de 2018.

Falta de informações

Mesmo diante da inegável relevância do recurso, a Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo (Agerh) afirma que o Espírito Santo sofre com a deficiência de informações sobre disponibilidade hídrica dos aquíferos.

Quando um poço é perfurado e regularizado perante a agência, informações valiosas são obtidas por meio das amostras e dos testes de bombeamento realizados. A Agerh explica que, como os aquíferos estão “escondidos”, essa é a análise mais complexa no processo de gestão de recursos hídricos, sendo necessário um robusto estudo para quantificar a água disponível no subsolo.

Além disso, não existe hoje no estado uma rede de monitoramento da qualidade da água subterrânea. No processo de requerimento de outorga de direito de uso de recursos hídricos subterrâneos, é exigido o estudo hidrogeológico do poço – que avalia o potencial para ocorrência e captação de água – acompanhado, para efeito de cadastro, de um laudo laboratorial contemplando os principais parâmetros associados à poluição das águas.

Potencial para ocorrência e captação de água subterrânea

Segundo Luiza Bricalli, o Espírito Santo possui grande potencialidade de extração de água subterrânea, mas o estado ainda tem pouco conhecimento sobre o tema. “São necessários estudos detalhados de reconhecimento dos aquíferos e sua potencialidade”, aponta.

Segundo a Agerh, o estado conta com dois tipos de aquíferos: fissural, reconhecidamente de baixo potencial; e poroso, no qual geralmente se observam vazões mais altas.

Bricalli pontua que, na porção leste/nordeste do Espírito Santo, ocorrem os aquíferos porosos de elevada potencialidade. “A sua projeção em superfície representa 3.922,32 km² (8,56%) da área total do estado e 27,34% são de aquíferos porosos”, detalha a geóloga.

O aquífero Barreiras, presente em toda porção do leste e nordeste do estado, é a formação na qual se observa maior disponibilidade de água subterrânea no território capixaba. Com largura aproximada de 30 quilômetros, suas águas têm importante papel no abastecimento público e na irrigação no norte do Espírito Santo, principalmente entre as cidades de Linhares, São Mateus, Jaguaré e Nova Venécia.

Extração da água subterrânea

A água subterrânea é explorada por meio de poços instalados em aquíferos. Esses poços podem ser dos tipos freático (ou cacimba), semi-artesianos (ou ponteira) e artesiano.

Segundo Luiza, no Brasil, cerca de 50% da população é abastecida por águas subterrâneas por meio de companhias de água. No estado, entretanto, a realidade é outra. “No Espírito Santo, pouquíssimas cidades são abastecidas com águas subterrâneas”, lamenta.

De acordo com a geóloga, essas águas podem ser extraídas por poços ou pelo aproveitamento das nascentes, ponto em que os aquíferos interceptam a superfície. “No Brasil, grande parte das águas subterrâneas são extraídas por poços tubulares (mais conhecidos como artesianos)”, explica. 

Cuidados na captação

A Agerh alerta que a captação de água subterrânea via “poços escavados”, sem revestimento, de quaisquer formatos ou dimensões, não é recomendada, pois o uso desse método é considerado prática adversa ao meio ambiente e à conservação dos aspectos quali-quantitativos da água subterrânea, já que remove o isolamento natural desempenhado pelos sedimentares que, conjuntamente, controlam a exposição do espelho d’água às perdas por evaporação e aos agentes poluidores.

A construção dos poços tubulares deve seguir os requisitos básicos e recomendações das NBRs 12.244/2006 e 12.212/2017 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Preservação

As águas subterrâneas são um recurso renovável e sustentável e, por isso, é necessário que sua captação seja feita com as melhores práticas e técnicas existentes.

“É fundamental, para o bom gerenciamento do recurso, estudos detalhados locais e regionais de reconhecimento dos aquíferos e sua potencialidade, através, especialmente de mapeamentos de fraturamentos e zonas de descontinuidades presentes nas rochas e solos, além de estudos de lineamentos e neotectônica”, aponta Bricalli.

Os principais problemas relacionados às águas subterrâneas são, conforme a geóloga, “contaminação, mineração, perfuração indiscriminada e bombeamento intensivo”. Ela aponta como principais causas para essas questões o crescimento populacional, o aumento da produção industrial e do consumo de bens e descartes relacionados.

Sobre os contaminantes, Luiza cita os principais: “nitrato, derivados de petróleo (em especial a gasolina e os solventes clorados), metais pesados, vírus e bactérias”. 

Trâmite para uso da água subterrânea

Usuários de recursos hídricos que realizam captação de água subterrânea no Espírito Santo com vazão de retirada instantânea inferior a 13 litros por segundo (46,8 m³/h) precisam realizar o Cadastro Estadual de Usuários de Águas Subterrâneas para conseguir a Declaração de Uso de Água Subterrânea. O procedimento de cadastro é totalmente digital e gratuito.

Consulta pública

A Agência Estadual de Recursos Hídricos abriu uma consulta pública sobre a instrução normativa que institui os procedimentos e critérios para a regulação do uso dos recursos hídricos subterrâneos de domínio do Espírito Santo.

As contribuições podem ser enviadas até às 18 horas desta terça-feira (22), por meio de formulário eletrônico. Segundo a Agerh, o objetivo da consulta é “progredir com a regulação do uso dos recursos hídricos subterrâneos e complementar os procedimentos já estabelecidos pela Gerência de Gestão e Regulação da Agerh”.

De acordo com a agência, a consulta pública é necessária para dar a oportunidade de a sociedade contribuir na construção de uma normativa composta por regras que podem afetar diretamente vários setores produtivos.

Por Gabriela Knoblauch


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