Psicofobia impede tratamento de doença mental

Segundo presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), preconceito em torno do tema contribui para agravamento do quadro de saúde 

Antônio Geraldo cobrou tratamento igual os demais tipos de pacientes | Foto: Lucas S. Costa

Na reunião da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, nesta terça-feira (12), o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, falou sobre como a psicofobia impede pessoas com doença mental a buscarem tratamento. Esse preconceito, conforme disse, pode gerar um quadro de agravamento do problema e causar até mesmo perdas financeiras. 

“A psicofobia impede o tratamento de quem precisa”, afirmou. Há um entendimento corrente, segundo ele, de que pacientes psiquiátricos sejam taxados como “loucos”. Dados apresentados na reunião relatam que mais de 50 milhões de brasileiros padecem de alguma doença mental, sem contar os dependentes químicos. Muitos acabam não tendo acesso ao tratamento. 

Silva deu mais exemplos, como o primeiro lugar ocupado pelo Brasil no ranking do transtorno de ansiedade (cerca de 19 milhões de pessoas) e a segunda colocação no pódio quando o assunto é depressão, atrás apenas nos EUA, com 5,8% da população brasileira sofrendo desse mal. Mas a tendência, revelou, é que o Brasil suba para a primeira colocação. 

“Nós somos um país de pessoas ansiosas e nós somos um país de pessoas tristes. Nós não somos um país de pessoas alegres como se diz porque nós temos uma população deprimida. A questão é: essa população tem acesso a tratamento? Não”, sacramentou o convidado.

Sobre a depressão, lembrou do renomado humorista Chico Anysio, que tratou durante décadas a doença e conseguiu levar sua carreira à frente. O artista é o patrono do Dia Estadual contra a Psicofobia, lembrado em 12 de abril, data de nascimento do comediante. A lei que institui a medida partiu do Dr. Emílio Mameri (PSDB), membro do colegiado. 

Ainda segundo Silva, 750 milhões de pessoas no mundo (10% do total) apresentam doença mental e nos países de baixa renda até 85% dos delas não recebem tratamento. “Viram moradores de rua, cometem pequenos crimes, e estão onde? Nas cadeias. Hoje as cadeias se tornaram os novos manicômios”, disse. 

“(…) A psicofobia é que leva a isso, a não ter nem tratamento. A não oferecerem nem tratamento a quem padece de doenças mentais. Quando você não oferece tratamento o que acontece? Aumentam os índices de suicídio”, detalhou. “Praticamente 100% de quem comete suicídio é porque tem doença mental”, afirmou. 

O convidado criticou o estereótipo de doente psiquiátrico cunhado pela indústria cinematográfica, muitas vezes retratado como violento e perigoso.  Ele cobrou tratamento igual os demais tipos de pacientes. “Doente mental não tratado é perigoso. Agora doente mental tratado não tem nenhum risco”, apontou. 

Perdas financeiras

Segundo a Organização da Saúde (OMS) em estudo de 2016, o mundo perde anualmente US$ 1 trilhão por não tratar a ansiedade e a depressão como deveria. “Chamou-se atenção dos governantes que a ansiedade era fator de mudança de patamar, inclusive de classe social, para baixo, quando não tratada adequadamente e influencia no movimento financeiro do mundo negativamente.”  

Ainda de acordo com ele, de cada 10 pessoas que se afastam do trabalho, cinco apresentam motivo doenças mental, muitas são de longo prazo e o fato acaba repercutindo na aposentadoria. “A maior parte do dinheiro investido no Ministério da Economia para afastamento do trabalho são doenças mentais. Um prejuízo monstro”, destacou.  

Tratamento

O convidado criticou a política de tratamento de saúde mental adotada no Brasil, focado no modelo “capscêntrico” – nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Na avaliação ele, esse padrão acaba promovendo a segregação desses pacientes. “Você não pode ter o doente mental junto com outros pacientes”, ironizou.

“Esse estigma estrutural faz o doente perguntar: onde é que está o ambulatório psiquiátrico?”, indagou. Na opinião do presidente da ABP, a rede assistencial deve passar por um redesenho, incluindo mais participação de psiquiatras nas equipes de atendimento e investimentos nas emergências em psiquiatria e em leitos especializados.   

Ele considerou que a iniciativa da Assembleia Legislativa (Ales), que fomentou a criação do Dia Estadual contra a Psicofobia, pode ajudar os municípios a se movimentarem em favor do tema. Para o médico, a preocupação principal é criar uma política de estado para mitigar a questão. 

Dr. Emílio Mameri frisou que o paciente psiquiátrico é como outro qualquer e cobrou ambulatórios para atendê-los. Isso porque quando eles saem internação, estabilizados, acabam voltando em pouco tempo já que não recebem acompanhamento com psiquiatra – nem todos os Caps contam com esse especialista. “Isso é inadmissível, não podemos nos acomodar”, afirmou. 

“Vamos olhar o doente psiquiátrico da mesma maneira que como nós olhamos um cardiopata”, cobrou ele das autoridades de saúde, ao pedir as mesmas condições de tratamento. 

A reunião também teve a participação do presidente do colegiado, Doutor Hércules (Patri), Luciano Machado (PSB), além da psiquiatra Letícia Maria Akel Mameri Trés.

Por Marcos Bonn


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