CPI é palco de divergências entre Renova e indígenas no Espírito Santo

Povos originários que vivem da pesca profissionalmente questionaram indenização dada pela fundação, que alega ter recebido aval de caciques

Qualidade da água de rios que cortam comunidades indígenas de Aracruz também foi pauta na reunião | Fotos: Tonico

Divergências em torno das indenizações colocaram em lados opostos representantes da Renova e da Associação dos Pescadores e Catadores Indígenas (Apeci), de Aracruz, na reunião da CPI das Licenças, realizada nesta quinta-feira (28). Outro ponto de contestação foi a qualidade das águas dos rios Piraquê-Açu e Piraquê-Mirim, que cortam o município.

O avanço dos rejeitos de minério da barragem de Fundão, em Mariana (MG), sobre a região habitada pelos povos originários, incluindo a costa do mar e os rios, inviabilizou atividades como a cata de mariscos e a pesca. Como impacto, muitos passaram e ainda passam por dificuldade financeiras. Os clientes que antes do desastre ambiental eram comuns, agora são escassos porque desconfiam da qualidade dos pescados.

João Pedro Gonçalves, João Francisco Ramos, Vera Lúcia Almeida Alves, o vereador indígena Vilson Oliveira (PT), acompanhados do advogado Jeferson Ronconi, expuseram as dificuldades do dia a dia e em relação aos acordos para a reparação dos danos junto aos pescadores profissionais, que perderam a atividade diante do cenário dos últimos anos. 

Com a extinção do auxílio mensal concedido pela fundação desde 2016 até o final de 2021 a situação se agravou, relataram os pescadores indígenas. O vereador Vilson Oliveira pediu a volta dos pagamentos até que os programas e projetos tocados pela Fundação Renova para garantir a sustentabilidade das comunidades sejam concluídos. 

Sobre as indenizações, participantes admitiram o pagamento de valores em torno de R$ 220 mil, como revelou o pescador João Francisco Ramos. Mas, segundo Vilson Oliveira, a reivindicação é que os pescadores com “carteirinha” tenham essa indenização diferenciada, pois o acordo para o pagamento levou em conta o número de núcleos familiares (1.350 famílias do território indígena). 

“Minha profissão é pescadora, com muito orgulho. Só que hoje eu não posso mais porque eu não tenho como despachar o que eu pesco lá”, disse Vera Lúcia Almeida Alves. Classificada como dependente do marido, disse que recebia R$ 200 por mês de auxílio, embora pudesse “tirar” R$ 700 por noite de pesca. Ela criticou que seu esposo, que é viúvo, recebeu indenização de R$ 210 mil, enquanto ela não teve direito. O reparo deveria ter sido feito aos dois pescadores profissionais, avaliou.   

Renova

Por outro lado, representantes da Renova argumentaram que todo o processo de reparação de comunidades indígenas de Aracruz, incluindo o valor do auxílio mensal, respeitou a organização social, política e cultural dessas comunidades, afirmou o gerente de Programas de Reparação para Povos Indígenas e Tradicionais, Ricardo Burg. Nesse caso, explicou que a comissão de caciques atuou como interlocutora dos interesses dos nativos. 

O advogado Gabriel Moura ressaltou que a fundação fez o pagamento de R$ 390 milhões em indenização por núcleo familiar (mais de 1.500 famílias). O valor, que inclui a indenização dos danos causados sobre a pesca artesanal, foi depositado em juízo. De acordo com o representante da fundação, a reivindicação apresentada pelos pescadores profissionais é uma novidade dentro do processo de negociações. 

“Foi pensada uma indenização que contempla esses núcleos familiares, agora está sendo trazido que existem, entre essas pessoas, alguns pescadores que exerciam também uma atividade profissional de pesca”, detalhou. O advogado pediu que isso fosse formalizado e encaminhado para a Renova a fim de se verificar eventuais pendências em relação a esses casos.      

Perguntado pelo presidente da CPI, deputado Marcelo Santos (Pode), sobre a qualidade da água do Piraquê-Açu e do Piraquê-Mirim, o gerente Ricardo Burg negou a contaminação dos rios. Ele se amparou na realização do Estudo do Componente Indígena. “Esse estudo não apresenta impacto do rompimento no Rio Piraquê-Açu”, afirmou.

Deliberações

Diante do impasse, o parlamentar, apoiado pelo relator da comissão, Alexandre Xambinho (PSC), e por Marcos Garcia (PP) sugeriu que fosse contratado, via CPI, um estudo independente para avaliar a qualidade das águas dos rios, incluindo o Rio Doce, cujo resultado poderia ser encaminhado para as partes interessadas. No entanto a Fundação Renova disse que avaliará a solicitação uma vez que o tema já é objeto de perícia judicial na 12ª Vara da Justiça Federal.

“Vamos também receber o ofício de vocês para oficiar a Renova, dando prazo, e qualquer outra coisa que não tenha sido colocada aqui”, destacou Marcelo Santos, dirigindo-se aos pescadores. O deputado adiantou que a CPI vai apurar o funcionamento de algumas associações que representam os indígenas. “Eu acho que tem muita gente aproveitando da vida de vocês também.”

Por Marcos Bonn


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