Marcelo quer maior equilíbrio na relação Estado e União

Veja íntegra da entrevista

No comando da Ales nos próximos dois anos, Marcelo também falou sobre seus projetos para a Casa | Foto: Ana Salles

O senhor foi eleito pela sexta vez consecutiva deputado estadual ao receber 41.627 votos. Como recebe essa sequência de reconhecimento da população ao seu trabalho?
Fico muito feliz por ver a população reconhecer nosso trabalho. Não tem felicidade maior quando a gente faz o trabalho e a população devolve a resposta nas urnas. Quando você vem numa sucessão de mandatos e alcança esse objetivo com uma votação que ultrapassa a casa dos 100% da última eleição (quando recebeu 19.595 votos), além da alegria e da satisfação, também me convida para uma responsabilidade ainda maior. Consegui ter votos nas 78 cidades capixabas, com muito respeito agradeci a todas. 

Meu compromisso é continuar trabalhando e com uma energia ainda maior, porque é isso que a população espera de mim. Eu tento me aperfeiçoar a cada tempo para que possa devolver com respostas rápidas o que eu sou demandado nas cidades, nas ruas, pelas lideranças políticas, populares ou religiosas e pelo cidadão comum. 

Qual o segredo para se manter vitorioso por tanto tempo?
O segredo é se reinventar. Nós temos que acompanhar o tempo. Eu digo sempre para as pessoas que o que te faz estar atualizado, estar antenado, não é ser jovem. Você pode ser jovem e estar desconectado do tempo atual, ou pode ter passado da casa dos 100 anos e estar totalmente conectado à realidade. É preciso sempre estar conectado.

Eu trabalho com minha equipe dizendo que eles devem estar informados, porque informação é tudo não só na política, mas em qualquer lugar. E também conectados com tudo aquilo que é atual. Não adianta querer fazer um bom mandato ou ter um resultado nas urnas se o sentimento da população por conta das informações que ela tem diante da velocidade de informação é outro. Nós temos ferramentas tecnológicas que a cada dia se atualizam. Eu costumo dizer que esse aparelho aqui até liga (apontando para o celular). A função principal do telefone hoje não é ligar, é a rede social, o WhatsApp, então a gente fala que até liga. Na guerra Irã-Iraque (1980-88) ninguém levou uma câmera, levaram um iPhone, que foi amplamente utilizado pela imagem, pela qualidade, então temos que acompanhar as ferramentas tecnológicas. Temos que nos modernizar e para isso tem que estar antenado, ter informação. 

Eu busquei muito estar atualizado para que eu pudesse exercer um bom mandato. Por exemplo, o problema que tem na Região Sul não se iguala ao que tem na Região Norte. Tem gente que quer colocar tudo numa mesma régua e não é. O Norte tem benefícios que o Sul não tem, um pode ter demandas que o outro não tem, mas no Norte pode ter pobreza que às vezes não tem no Sul. Então você precisa estar antenado e ter a informação para ter um mandato proativo com resultado.

O seu pai Aloízio Santos (1940-2007) foi um político relevante aqui no Estado. Foi ele que te motivou a entrar na política?
Meu pai foi uma das figuras na qual eu me inspirei para entrar na política, mas para ser sincero meu pai nunca me convidou ou instigou para entrar na vida pública. Ele foi uma referência no tempo dele, que não é o tempo atual. Naquela época não tinha telefone celular. Ele era um político muito popular. Foi prefeito de Cariacica por duas vezes (1993-96 e 2001-04) e deputado federal três vezes (1975-79, 1991-92 e 1999-2000). Ele trouxe Nelson Mandela junto com Albuíno (Azeredo, ex-governador) em 1991 para o Espírito Santo. Dois negros que conseguiram fazer isso (nesse momento ele mostra a foto com os três políticos juntos que está no gabinete da Presidência). Pouca gente tem essa fotografia. Mandela foi um ícone na luta pela igualdade. 

Eu envelheci muito precocemente, desde novo, 14, 15 anos eu lia jornal. Nessa idade ninguém lia jornal e eu era fã do Ulysses Guimarães (1916-92, ex-presidente da Câmara dos Deputados). Um dia eu recebi uma ligação dele lá em casa naqueles telefones convencionais. Eu me identifiquei como filho do Aloízio e ele falou comigo. Eu fiquei numa emoção que você não tem noção. Fiquei muito mal quando o helicóptero dele caiu e ele foi embora (1992). Tem gente que é fã de cantor, de jogador de futebol, mas meu ídolo era Ulysses Guimarães. Eu lia separata (conjunto de artigos impressos publicados em jornal ou revista) dele. Eu tenho coisas na cabeça que li em 1989. Votei nele e em Waldir Pires (na eleição presidencial de 1989). Estava servindo o Exército, mas consegui votar porque estava de folga no dia. 

Ingressei na vida pública sem ser ator político por causa da relação com meu pai. Entrei por acaso. Eu ia apoiar um candidato a vereador por Cariacica chamado Chiquinho da Padaria, lá em São Geraldo, antigo Morro da Favela. Ele era famoso porque distribuía sacolinha de leite e pão que sobrava, distribuía para a molecada na rua. Na hora de registrar a candidatura ele não foi, eu acabei entrando e foi meu primeiro mandato eletivo (1996-2000).

Depois falei para o meu pai que não ia buscar a reeleição, mas que iria ser candidato a deputado estadual. Ele me alertou que na Assembleia só tinha tubarões. 

Então eu terminei meu mandato, era servidor público federal no Porto de Vitória, saí de lá e fui ser voluntário para identificar onde tinha buraco em Cariacica. Fiz um planejamento na época, dividindo a cidade em oito partes. Ia aos lugares, tinha muita manilha estourada, esgoto, buraco e rua que precisava ser patrolada (nivelada). Eu anotava tudo, acompanhava os caras a regularizar o piso com a patrol, trocar a manilha de barro para de cimento e tapar um buraco. Eu pegava o telefone de uma pessoa que morava ali e ligava depois para ver se estava tudo certo. Minha campanha começou assim e depois tomou corpo. Assim fui o terceiro deputado mais bem votado do Espírito Santo na época, em 2002 (com 33.067 votos). 

Vim para a Assembleia e meu desafio era não ser a mesma coisa de outros deputados de Cariacica, que pouco ou quase nada fizeram em termos de representatividade, conhecer o Regimento Interno da Casa, apresentar propostas e debater temas importantes. Me dediquei, entrava 7 horas da manhã e saía daqui 10 horas da noite. Então minha entrada na vida pública foi por acaso, mas dizem que nada acontece por acaso. E também que o acaso é o começo de todas as coisas. Comecei como vereador, virei deputado e nunca mais saí.

Essa última eleição foi desafiadora porque eu pretendia ser deputado federal, mas mudei todo o meu planejamento (para tentar a reeleição). Quis ter um último mandato maior que o primeiro e maior que o último. Trabalhei para ter 35 mil votos, 2 mil votos a mais que o primeiro, que consegui com meu pai ainda na prefeitura. Queria bater essa meta e consegui quase 42 mil votos. Nessa eleição as pessoas optaram muito por quem era de viés de direita ou de esquerda, tanto partido quanto ideologia. Eu fui Marcelo Santos, mostrei meus serviços, falei que queria continuar na Assembleia. Talvez se fizesse isso e tivesse apontado para um lado teria agregado mais valor. Dos cinco deputados mais votados do Espírito Santo eu sou único que não trabalhei com a bandeira de direita ou de esquerda. 

Foto: Lucas S. Costa

O senhor esteve na coligação do governador reeleito Renato Casagrande (PSB) e agora foi eleito presidente da Ales com apoio declarado do governador. Como será sua relação com o Poder Executivo?
Harmônica, porém, independente. A posição do presidente é de um magistrado. Eu tenho que permitir que todos os parlamentares se manifestem, defendam suas bandeiras, inclusive, ideológicas, e se manifestem com o voto da forma que entender. A única coisa que não podemos permitir e isso aconteceu no país, é quando se sai das quatros linhas e não se respeitam as instituições e as pessoas. Dentro da linha do respeito o parlamentar pode atuar aqui na Assembleia e vai ter o meu apoio. Se ele é base de governo, se é oposição ou se é independente. Vai ter o apoio para promover e desenvolver a atividade dele, só não vai ter o apoio da instituição se não jogar dentro das quatro linhas e eu estou falando de respeito. 

A Assembleia teve uma renovação de mais de 50% em suas cadeiras e muitos deputados foram eleitos fora da coligação do governador. Acha que ele pode enfrentar alguma dificuldade na relação com os parlamentares?
Acho que não. O governador é um democrata e além de tudo é um estadista. Renato sabe lidar com as diferenças e é isso que talvez muita gente precise aprender. A minha vontade ou aquilo que eu acredito não pode ser absoluto. Eu tenho que entender que você pode divergir de mim, tenho que saber que minha verdade não é absoluta. Renato sabe lidar com as diferenças e eu também. As pessoas têm que entender isso. É por isso que existe situação e oposição. Desde que seja responsável e tenha respeito, acho que o debate é muito importante para a sociedade. A Assembleia sempre teve essa média de renovação e a composição de partido e ideologia também. Eu torço para que tenha bons debates. O debate é bom para o governo, para a sociedade e para a Assembleia Legislativa. 

O senhor recebeu 27 votos de 30 possíveis de seus colegas. Como foi esse processo de construção de um consenso em torno do seu nome?
Respeitando as diferenças e a opinião de cada um. Respeitando a vontade de um grupo de eleger um nome e sempre dizendo que as portas estavam abertas para a gente se unir e fazer o que aconteceu: eleger uma chapa única, plural, com uma composição que tenha responsabilidade para conduzir a Casa nesse biênio. 

O deputado Marcelo Santos tem fama de ser bem-humorado e de sempre brincar muito com os colegas durante as sessões, muitas vezes distensionando o ambiente. Como vai ser o comportamento do presidente Marcelo Santos, em especial, em virtude desse ambiente de polarização que o país vive e que pode se reproduzir na Assembleia?
A minha característica dificilmente as pessoas vão mudar. Eu tenho essa característica de brincar com as pessoas, mas de forma muito respeitosa, jamais quero desrespeitar alguém. Talvez em algum momento a pessoa possa ter interpretado que eu tenha desrespeitado, mas não foi por minha vontade. Então como presidente, como chefe de poder, eu tenho que me limitar. Meu estilo brincalhão, minha característica eu não vou perder, mas eu tenho uma responsabilidade agora de comandar um poder que faz parte junto com os outros. Represento os 30 parlamentares, como o Judiciário representa os magistrados e seus servidores e o Ministério Público idem. Não vou fugir da minha responsabilidade, tenho uma ainda maior agora, mas mantendo minha característica. 

Eu quero tratar a Assembleia de forma que as pessoas conheçam melhor os parlamentares, a importância e o papel deles perante a sociedade. A imprensa também precisa mostrar para a sociedade nosso papel na composição dos poderes. Nada acontece em nenhum outro poder se não tiver autorização dessa Casa de Leis. Muita gente não sabe disso. Teve um órgão de imprensa que, no dia da posse dos deputados, entrevistou as pessoas no abrigo de ônibus em frente à Assembleia e 99% das pessoas não sabiam o papel do deputado. Elas conhecem o parlamentar, mas não sabem a importância e o papel deles para a vida dela, para a cidade dela e para a saúde do Estado. Eu vou trabalhar muito para aproximar a Assembleia do cidadão, diminuir as distâncias. Ulysses Guimarães dizia que o Parlamento é a “Casa do Povo”. 

Vamos valorizar o parlamentar. Se nessa gestão eu conseguir fazer o que estamos planejando, de potencializar, principalmente, as comissões, dando condições da Comunicação da Casa de acompanhar o trabalho delas, dando condições de que elas tenham perna de estar onde precisam estar, nós vamos conseguir mostrar essa coisa bacana que é a atividade parlamentar.

Em sua opinião, quais são os maiores desafios para o Espírito Santo nos próximos quatro anos e como o senhor pode ajudar a resolvê-los?
Temos alguns desafios. O primeiro é distensionar (o ambiente político), acho que grande parte da população está dividida, e isso é normal, mas está dividida e raivosa. Essa tensão tem que acabar ou pelo menos diminuir, arrefecer. Esse é o papel de um líder da Assembleia e de um líder como o governador. 

Outros gargalos que temos que enfrentar e eu vou liderar isso aqui na Assembleia, é uma pauta prioritária minha enquanto presidente junto com meus colegas. Somos um Estado pagador e não recebedor. Contribuímos para a balança comercial e muito. A movimentação de cargas, pelotas, combustíveis… contribuímos muito com a União federal e seu cofre e pouco ou quase nada recebemos. Queremos que a União nos enxergue não só pela relação política, mas pelo que contribuímos e nos devolva isso. Não é pecado o Espírito Santo estar organizado financeira e administrativamente, não é pecado ter feito o dever de casa, ter cortado na própria carne, do Orçamento dos poderes e ter conseguido ultrapassar as crises que todo o país e o mundo enfrentaram. Não podemos pagar a conta de quem não soube administrar o recurso do Estado, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e outros. Eu vou liderar a Assembleia junto com os colegas, o governador, o setor produtivo e vou apresentar esses números para mostrar que estamos sendo crucificados desde lá de trás pelo que contribuímos com a União. A gente paga e não recebe. Os estados que pagam menos recebem mais. Essa inversão não podemos admitir. 

Vou trabalhar nisso para enfrentar melhor esses gargalos, como nas BRs 262 e 101. É uma contribuição que eles poderiam fazer devolvendo os recursos para cá. A obra do Contorno do Mestre Álvaro não havia uma decisão política de fazer do governo federal. A bancada federal que pegou a emenda e colocou para que a obra pudesse ser executada e deve ser entregue no final do ano, mas não havia vontade da União. É hora de darmos as mãos independente da coloração partidária, das questões ideológicas e falar de pessoas, do Estado. Temos que cobrar da União o que ela nos deve. Há uma dívida social muito grande.

Vou me reunir com a bancada federal depois que elegerem o novo líder. Vou apresentar para ele os números do que contribuímos para o crescimento do país e que o país não nos devolveu. 

Então podemos dizer que o equilíbrio dessa relação com a União vai ser sua bandeira no próximo biênio?
Vai ser uma bandeira que vou trabalhar muito. Vou aproveitar os colegas da Mesa Diretora que tem relação com o atual governo federal para abrir oportunidades e que possamos estar lá. Vou preparar um material bacana com essas informações, com dados do próprio governo federal, para mostrar que os dados oficiais nos são cruéis. Vou trabalhar muito para mudar essa realidade.

Nos últimos anos a Assembleia trouxe para a sua sede a oferta de serviços para a população (Procon, Posto de Identificação Civil, Delegacia do Consumidor, Procuradoria da Mulher) e o senhor comandou iniciativas importantes como o Ales Digital e o Revisa Ales. Quais são seus planos para o comando da Assembleia nos próximos dois anos? 

Essas duas últimas ações eu liderei e foram importantes para a Assembleia, deram prêmios. A Assembleia foi pioneira. Somos um dos estados com a maior segurança jurídica do país por conta dessa revisão de normas. O Estado de São Paulo, que apresenta a maior quantidade de lixo legislativo, copiou da gente e está seguindo o que instituímos aqui. Fico muito feliz em saber que contribuí com Erick (Musso, ex-presidente) para que a Assembleia pudesse se tornar mais ágil e transparente. Precisamos mostrar para as pessoas o que faz isso de importante, como R$ 12 milhões em economia para os cofres públicos. 

Também transformamos a Assembleia na Casa do Povo, foram muitas ações atraindo a população para cá, como o Procon, a Delegacia do Consumidor, a Procuradoria da Mulher e as atividades da Escola do Legislativo. É preciso fazer ainda mais, acredito que temos um limitador de velocidade e queremos aumentar esse limite para a Assembleia chegar a lugares mais longes e mais rápido. 

Nas horas de folga da política, o que o Alexandre Marcelo Coutinho Santos gosta de fazer?
Cozinhar, tomar um bom vinho, ficar em casa com minha mulher e filhos, não sou um cara da noite. Eu gosto de preservar amizades, então em casa, ou no meu sítio, eu gosto de contar piadas, de fazer as pessoas rirem, contar causos, inventar causos. Eu gosto de fazer de tudo. Eu sou um cara que como qualquer cidadão tenho sangue, suor e lágrimas.

Acabou de sair minha certidão de nascimento alterada, eu consegui na Justiça. Porque meu pai morreu (em 2007) e em vida não conseguiu fazer isso (a adoção legal). Então foi feita a adoção post mortem. Eu era tutelado e a tutela vai até a maioridade. Hoje tenho além da minha mãe, que morreu no ato do meu nascimento, uma mãe socioafetiva e um pai socioafetivo. Meu filho vai ter vários avós. Aloízio era meu pai, mas não tinha esse reconhecimento legal. Vai constar na minha carteira de identidade o nome do meu pai, o que é uma honra danada para mim. 

Deixe um recado para os servidores da Assembleia e para a população capixaba.
Vou trabalhar para valorizar os servidores. Não é só a questão salarial, é tudo, local de trabalho, instrumentos, ferramentas e salário também. Temos o Orçamento como limitador, mas vamos trabalhar muito para isso. Sou alguém que vai ajudar o servidor da Casa a fazer um serviço ainda melhor, a se dedicar e a ter condições para fazer isso.

E para a população eu digo: podem confiar na Assembleia. Por causa de um, dois ou três maus políticos não coloquem na vala comum toda a classe. A Assembleia está aqui para atender os interesses da população, garantir a democracia e trabalhar ao lado do governo do Estado em tudo aquilo que for em prol da sociedade. Não vai faltar disposição para qualquer matéria que chegar nessa Casa e precisar tramitar em caráter de urgência que eu não devolva dentro do limite previsto no Regimento dessa Casa. Se puder devolver no mesmo dia, eu devolvo para o governo poder aplicar as medidas, como fizemos com o Cartão Reconstrução, que foi utilizado para ajudar quando as fortes chuvas caíram e alcançaram dezenas de milhares de pessoas que ficaram desabrigadas, desalojadas, vieram a óbito, perderam tudo que lutaram tanto para construir junto com a sua família.

Por Gleyson Tete


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