Força feminina na Assembleia Legislativa

Apesar de representarem pouco mais de 10% das cadeiras do Legislativo estadual, as quatro deputadas desta legislatura têm protagonismo na defesa dos direitos das mulheres e outras pautas importantes para o estado

Raquel Lessa, Camila Valadão, Janete de Sá e Iriny Lopes são as representantes femininas na Ales | Foto: Lucas S. Costa

Camila, Iriny, Janete e Raquel. Antes de deputadas, mulheres. Mesmo com leis de incentivo à maior representatividade feminina na política, apenas as quatro conseguiram vencer as eleições para o Parlamento capixaba em 2022. Ocupam, assim, 13% das 30 vagas na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales). O baixo percentual repete a tendência nacional.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres representaram apenas 34% dos candidatos nas eleições de 2022 e 18% dos eleitos. Os percentuais destacam a disparidade de gênero na política, uma vez que elas representam 53% do eleitorado nacional.

Longo caminho

Diante do cenário, é possível imaginar a dificuldade encontrada pelas mulheres em espaços de poder, desde seu ingresso até o exercício pleno dos seus mandatos. Cada uma das parlamentares na Ales lutou muito para conquistar seu lugar.

Camila Valadão (Psol), que é novata no Parlamento, já chegou batendo recordes. Foi a mulher mais votada da história política do Espírito Santo para o Legislativo capixaba, eleita com 52.221 votos. Entretanto, o caminho até o cargo de deputada estadual não foi fácil. Candidatou-se ao governo do Estado em 2014. Não venceu. Em 2016, foi a quinta vereadora mais votada de Vitória, mas acabou não se elegendo por conta do coeficiente eleitoral. Já em 2018, tentou uma vaga no Legislativo capixaba. Apesar dos 16 mil votos alcançados, ficou de fora mais uma vez em razão do coeficiente. Em 2020, Camila foi eleita como a segunda vereadora mais votada da capital capixaba. Em 2022, conseguiu sua vaga na Assembleia Legislativa do Espírito Santo.

Já Iriny Lopes (PT), que ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) no Espírito Santo, está em seu segundo mandato como deputada estadual. Antes disso, foi deputada federal por três mandatos (2003 a 2015). Nada veio de uma hora para outra. A deputada está na política desde a adolescência.

Raquel Lessa (PP) também batalhou muito pelo seu espaço na política. Sua primeira tentativa de ocupar uma cadeira na Ales foi em 2002. Apesar dos 8.608 votos, não se elegeu. A primeira vitória veio em 2004 para a prefeitura de São Gabriel da Palha, município onde, até então, nunca uma mulher havia sido eleita nem para vereadora. O sucesso foi tanto que culminou na sua reeleição de 2008. Hoje Raquel está em seu terceiro mandato consecutivo na Ales.

Deputada com mais mandatos na atual legislatura – o sexto até agora – Janete de Sá (PSB) conquistou sua primeira vaga na Ales em 2002. A trajetória teve como base a militância nas lutas sindicais, tendo sido a primeira mulher eleita como presidente do Sindicato dos Ferroviários ES/MG e uma das fundadoras da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Espírito Santo.

Violência política

Mesmo com apenas três mulheres na legislatura passada, a Ales aprovou em 2022 o Estatuto da Mulher Parlamentar e Ocupante de Cargo ou Emprego Público no Estado. A norma trata dos mecanismos de prevenção, cuidados e responsabilização contra atos individuais ou coletivos de assédio e qualquer outra forma de violência política contra mulheres, para assegurar o pleno exercício de seus direitos.

Um dos objetivos da lei é eliminar atos, comportamentos e manifestações individuais ou coletivas de violência política e perseguição, que, direta ou indiretamente, afetam as mulheres no exercício de atividade parlamentar e de funções públicas.

O estatuto foi proposto pela deputada Iriny Lopes. “Temos diversos elementos disponíveis ou em construção para alterar essa diferença no processo democrático. Por que a maioria não está representada nos espaços de poder? Se não está, é porque não temos uma democracia de verdade. Um dos instrumentos que temos à nossa disposição agora é o Estatuto da Mulher Parlamentar, que aprovamos aqui e já é lei no Espírito Santo.” 

Em âmbito nacional, foi publicada a Lei 14.192/2021 com o intuito de prevenir e reprimir a violência contra a mulher no ambiente político. Camila Valadão destaca a violência de gênero na política como um fator desmotivador da participação feminina em espaços de poder. “A mulher vai chegar no Parlamento e vai ser xingada, desvalorizada. Para que eu vou estar nesse espaço se minha contribuição não é reconhecida, se o meu trabalho não é valorizado?”

Incentivo às mulheres na política

Já quanto à representatividade, várias medidas de incentivo à participação feminina na política também foram criadas. A Lei 13.165/2015, conhecida como a Lei de Participação Feminina na Política, determinou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – em anos eleitorais – promova campanhas destinadas a incentivar a participação das mulheres na política e esclareça os cidadãos sobre as regras e o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro. Essas campanhas devem ser difundidas tanto em emissoras de rádio e televisão, quanto em propaganda institucional.

A norma também alterou a Lei 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos) e fixou a reserva mínima de 5% do fundo partidário para a criação, manutenção e promoção de campanhas com vistas a despertar o interesse da população feminina para a atuação na vida política do país.

A Lei 13.165/2015 determinou ainda o tempo mínimo equivalente a 10% do programa e das inserções para suas candidatas. Nas Eleições 2018 se tornou obrigatório que os partidos destinem ao menos 30% dos repasses de campanha a candidaturas femininas.

Já a Lei Federal 12.034/2009, conhecida como Minirreforma Eleitoral, determinou a obrigatoriedade de preenchimento de, no mínimo, 30% das vagas de cada partido por candidatas mulheres.

Para Raquel Lessa, a reserva de 30% não é suficiente. “Tinha que ser 30% de cota e 30% de vagas garantidas. Aqui na Ales poderíamos ter nove cadeiras garantidas para mulheres. Ou 50%, já que somos mais de 50% do eleitorado. Mas começar com 30% já seria um incentivo à participação feminina. Às vezes, essa cota de 30% só serve para sermos escada para os homens. Não podemos ser escada para ninguém.”

Camila Valadão concorda e defende uma “reforma política radical que garanta que metade das cadeiras do Parlamento brasileiro sejam ocupadas por mulheres, assim como é a representatividade da população”. A deputada também aponta a necessidade de recursos para campanhas femininas.

“Nossa sociedade, que entende a política como um espaço dos homens, para os homens e com os homens. Como se as mulheres não devessem ocupar esses lugares. Como se [esse] espaço não fosse natural das mulheres. Mulheres que estão lá são mulheres fora do lugar”, finaliza Camila.

Mudança de cultura

As leis, de fato, não são suficientes sem uma mudança de cultura, tanto dos homens quanto das mulheres. É o que destaca Janete de Sá. “Precisamos conscientizar cada vez mais as próprias mulheres de que elas têm capacidade e força suficiente para passar por processos eleitorais e serem vencedoras e do impacto disso na sociedade. Eu mesma sou proponente do Projeto de Lei 104/2023, que institui no estado a Semana da Mulher na Política, para poder semear essa ideia, e da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Mulher e Combate à Violência Doméstica.”

Raquel Lessa também entende que essa mudança de mentalidade é crucial e que já está sendo observada. “Antigamente, muitas mulheres não votavam em mulheres. Hoje vemos mais conscientização e mulheres sendo bem votadas.” A deputada destaca ainda a importância do suporte dentro de casa:

“Para muitas, falta apoio da própria família. Isso torna mais difícil para a mulher entrar na política. É preciso ter atitude e coragem para ir para rua, convencer o eleitor, falar suas propostas e pedir voto.”

Já Camila Valadão reforça a necessidade de combate ao machismo estrutural para dar condições reais para acabar com a sub-representação feminina em espaços de poder:

“As mulheres ainda ocupam os cargos mais precarizados, com as remunerações mais baixas, são as principais responsáveis pelas tarefas do cuidado e do trabalho doméstico. Tudo isso dificulta e até impede nossa participação política. Como a mulher vai participar da política se ela sequer tem o que comer, se não tem como cuidar do filho e da família, se ela não tem tempo ou não tem condições emocionais?  Ou não consegue estudar e se dedicar?”, questiona a parlamentar.

Ingresso na política

Desde a conquista do direito ao voto feminino, em 1932, as mulheres vêm desbravando o tortuoso caminho da igualdade de gêneros. No Dia Internacional da Mulher, as parlamentares apontam caminhos para as mulheres que sonham com um mandato eletivo.

Iriny Lopes aconselha muito estudo. “Estudem, invistam em sua formação, procurem movimentos com os quais vocês se identifiquem, estejam perto e se espelhem em outras mulheres e entrem para a política. A política precisa de vocês. Um mundo diferente, mais justo e igual deve ser construído com as mãos das mulheres.”

Janete de Sá concorda e entende que a solução para a disparidade de gênero está justamente em “estimular a participação ativa de representantes femininas, na direção dos poderes, das empresas, das instituições, dos trabalhos sociais a fim de gerar um novo olhar e sermos inspiração umas para as outras, gerando interesse e perspectiva para todas as mulheres”. A deputada completa: “Que ninguém cale a nossa voz. Somos valiosas e contribuímos muito para construir uma humanidade melhor.”

Já Raquel Lessa destaca a coragem necessária para se candidatar. “Se você tem vontade, enfrente, vá para a rua, tenha coragem, determinação. Enfrente os candidatos homens. Nós somos capazes. Eu tive um ato de coragem e hoje estou no meu quinto mandato. Não é fácil. A política é como qualquer outra profissão. Se você ficar de braços cruzados, não vai chegar onde quer chegar.”

Camila Valadão também enxerga a necessidade de mais mulheres em espaços de poder para que haja uma transformação real e sugere que o caminho está na busca de apoio: “Organize-se coletivamente. Essa é uma construção dura e, por vezes, solitária. Busque aliados e aliadas. Construa essa plataforma política de forma bem consistente.”

Por Gabriela Knoblauch


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