Pesquisa analisa impacto do Marco Legal da Primeira Infância no Judiciário brasileiro

O estudo está no livro “Primeira Infância no Poder Judiciário”, que acaba de ser lançado

Foto: FGV

Com uma aplicação judicial ainda incipiente, o Marco Legal da Primeira Infância (MLPI) gera impactos tímidos no que diz respeito à garantia de todos os direitos básicos das crianças de zero a seis anos no Brasil. Isso porque a maioria das citações à legislação nos tribunais do país estão relacionadas à área penal. Essa foi uma das conclusões da pesquisa “Uma análise macrossistêmica dos dados jurídicos de decisões judiciais e avaliação do comportamento judicial”, cujos resultados estão publicados no livro “Primeira Infância no Poder Judiciário”.

Lançado no dia 13 de março, o trabalho é fruto do projeto de pesquisa desenvolvido pelo Programa de Diversidade e Inclusão da Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio) em parceria com o Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da mesma instituição. O objetivo foi avaliar, em termos quantitativos e qualitativos, o impacto do MLPI (Lei nº 13.257/16) nas decisões judiciais dos tribunais brasileiros, a fim de demonstrar se e como essa norma está incorporada na prática judiciária.

Para tanto, os pesquisadores e pesquisadoras analisaram decisões oriundas do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de sete Tribunais de Justiça Estaduais: Acre, Alagoas, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo. Também foram alvo do levantamento quatro Tribunais Regionais Federais: TRF1, TRF2, TRF3 e TRF5. Houve, ainda, a realização de 26 entrevistas com profissionais do sistema de justiça envolvidos de alguma forma com os temas abarcados pelo MLPI.

Embora o Marco Legal da Primeira Infância diga respeito a uma gama de políticas, como saúde, educação, bem-estar e assistência social, os tribunais são acionados em sua maioria por conta de questões relacionadas ao Código de Processo Penal. De acordo com o estudo, a maioria das citações ao Marco se dá em processos com pedidos de substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar. Segundo a lei, esse é um direito de gestantes, mães com filhos de até 12 anos, ou de homens, caso sejam os únicos responsáveis por filhos com esta mesma idade.

Somente no STF, esse pedido representa quase 90% das decisões que citam o MLPI. No que se refere a todos os processos analisados, a maioria das decisões é relativa ao crime de tráfico de drogas (61,42%) e envolve apenas mulheres (73,69%). Para além disso, a proporção de decisões com resultado desfavorável à substituição do tipo de prisão é maior que as favoráveis. Isso mostra a pouca aplicação desse dispositivo do Marco Legal pensado para proteger e promover a o desenvolvimento das crianças na primeira infância.

Os resultados da pesquisa quantitativa sugerem, ainda, que os padrões de gênero, feminilidade e maternidade podem ter impacto sobre como as questões envolvendo o Marco Legal da Primeira Infância são decididas pelo Judiciário; ou seja, com o grande número de prisões preventivas em regime fechado, quando deveriam ser convertidas para prisão domiciliar.

Ademais, a partir das entrevistas, identificou-se que a baixa aplicação do Marco Legal pode ser atribuída ao desconhecimento da lei – ainda recente quando comparada com o Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo – e que a aproximação pessoal com o tema parece potencializar sua aplicação na prática judiciária. Paralelamente, alguns dos profissionais entrevistados indicaram ser necessário robustecer, ainda na Graduação, a formação especializada de quem pretende trabalhar com os direitos de crianças e adolescentes.

Houve manifestações elogiando o caráter principiológico do Marco, por inovar em relação a legislações anteriores, e outras criticando-o pelo mesmo motivo, em razão da ausência de diretrizes mais explícitas para viabilizar o seu cumprimento. Uma das promotoras de justiça que aceitaram o convite para participar da pesquisa indicou que a falta de previsão orçamentária também poderia ser motivadora da baixa aplicação da lei no que se refere ao seu conteúdo programático.

“Nós esperamos que o livro sirva como base para o avanço das discussões sobre a Primeira Infância no Brasil e, principalmente, sobre os impactos que o Marco Legal tem gerado quanto à relação entre maternidade e cárcere. As conclusões mencionadas são fruto do trabalho de muitos pesquisadores e pesquisadoras de diferentes áreas do conhecimento, que complexificaram o debate proposto. No momento, a investigação avança para explorar como a questão de gênero atravessa e, potencialmente, condiciona o desenrolar desses processos judiciais”, assinala Ligia Fabris, coordenadora do Programa de Diversidade e Inclusão da FGV Direito Rio.

O livro “Primeira Infância no Poder Judiciário” é assinado pelas professoras Ligia Fabris, da FGV Direito Rio; e Cecília Machado, da FGV EPGE; além do professor do Insper, Ivar Hartmann, e dos então pesquisadores da FGV Direito Rio, Ábia Marpin, Guilherme da Franca Couto Fernandes de Almeida, Lorena Abbas e Natália de Oliveira Maia.

Da Redação | Fonte: FGV


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