Exposição na Ales alerta para proteção à infância

Mostra “Não aceite doces de estranhos” instiga reflexão sobre violações à infância e impunidade do crime contra Araceli Cabrera, que completou 50 anos no dia 18 de maio

Vania posa ao lado de escultura que reproduz um coração do tamanho do órgão de uma criança de 8 anos | Foto: Victor Thomé

O caso Araceli, crime que repercutiu internacionalmente após a menina capixaba de oito anos ter sido estuprada e assassinada em Vitória, completou 50 anos na quinta-feira (18) sem a punição dos responsáveis pela barbárie. Para manter esse acontecimento vivo na memória da geração contemporânea, a Assembleia Legislativa (Ales) inaugurou a exposição “Não aceite doces de estranhos”.

Em forma de homenagens e protesto, a mostra montada no espaço cultural Marien Calixte (térreo da Ales) reúne obras de artistas capixabas e latino-americanos. Por meio da curadoria de Vania Cáus a exposição traz esculturas, pinturas e instalações, simbolizando o sentimento de cada artista em relação ao episódio que se tornou símbolo de enfrentamento à violência praticada contra crianças.

Vania explica que houve a preocupação de posicionar as peças em alturas que possam ser alcançadas pelos olhos de crianças de 8 e 9 anos (faixa etária de Araceli quando morreu). Também diz que toda a expografia dialoga com a infância, que hoje anda “muito desprotegida no Brasil”. Conforme boletim epidemiológico sobre notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, no período de 2015 a 2021 foram notificados 202.948 casos dessa natureza, sendo 83.571 (41,2%) tendo crianças como vítimas e 119.377 (58,8%) os adolescentes.

“A homenagem que a gente faz é a todas as Aracelis, inclusive a que está dentro de nós, e o nome da mostra se refere à forma como se vão muito dessas crianças”, diz a curadora,  numa alusão à forma como muitos estupradores encontram para atrair suas vítimas.  Essa citação está escrita no banner de entrada da exposição.

Vania relata que numa segunda-feira, quando ainda era criança, os alunos da escola onde estudava foram liberados mais cedo da escola, sem entender muito bem a explicação para aquilo. Àquela altura, Araceli, desaparecida desde a sexta-feira anterior, já estava morta.

“A primeira notícia de horror a gente nunca esquece, e a única resposta que eu ouvi na época foi de que ela (Araceli) aceitou doce de estranhos”, diz o relato da curadora da mostra.

Entre os 15 itens da exposição há uma escultura em porcelana fria, na cor vermelha, reproduzindo um pequeno coração compatível com o tamanho desse órgão numa criança de oito anos, idade de Araceli. 

A obra é de Renan Florindo, artista plástico de Iúna, instalada num painel próximo a outra obra que também remete à idade da criança assassinada, representada por dois chinelinhos de criança colocados sobre tijolos construídos com barro doado pelas paneleiras de Goiabeiras, em Vitória. Segundo Vania Cáus, o barro sobre o qual os chinelos estão grudados simboliza a lama da impunidade, pois, apesar de as investigações do caso Araceli terem apontado culpados, até hoje ninguém foi punido. 

Os visitantes podem observar também num recorte da exposição um feto trabalhado artesanalmente pelo artista venezuelano Ronaldo Regalado. Vania explicou que a produção significa “as infâncias que se vão antes de nascer”, lembrando que milhares de crianças são abortadas no país por motivos variados, sendo provocados, principalmente, pela fome e desnutrição nas regiões mais atrasadas do país, incluindo as comunidades indígenas. 

O estudante de artes Antônio Pereira da Silva considerou importante o Parlamento estadual abrir espaço para a exposição, pois o evento resgata o crime ainda impune, apesar de meio século do seu acontecimento. “É importante que haja uma conscientização de que barbáries como esta jamais aconteçam novamente. A sociedade não pode esquecer o que aconteceu com Araceli e jamais deixar de denunciar os casos de violência contra o público infantil, que infelizmente continuam por aí”, lamentou. 

A presidente da Comissão dos Direitos Humanos, deputada Camila Valadão (Psol), esteve no lançamento da exposição na noite de quinta (18), e disse que teve a infância muito marcada pelo caso Araceli. “Eu sou de 84, esse crime aconteceu em 73, mesmo assim minha vida foi profundamente marcada por esse caso, os meus pais falavam deste caso, não me deixavam ir sozinha para a escola”, recordou.  

Camila destacou que a exposição na Ales sobre o episódio ganha uma importância maior ainda por se tratar do Legislativo capixaba, Poder responsável por criar leis, daí a relevância de os deputados e a sociedade estarem de forma permanente vigilantes para denunciar e criar legislação voltada para  a proteção do público infantil. 

Por Wanderley Araújo


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